Definition of resilience

"In the context of exposure to significant adversity, resilience is both the capacity of individuals to navigate their way to the psychological, social, cultural, and physical resources that sustain their well-being, and their capacity individually and collectively to negotiate for these resources to be provided in culturally meaningful ways" (www.resilienceproject.org)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Avaliar a competência de uma pessoa para lidar com as adversidades do dia-a-dia e durante sua vida é uma tarefa que exige do pesquisador compreender em que contexto o sujeito está inserido, o que se entende das tarefas a serem realizadas e a ideologia que envolve os termos resiliência, adaptação e ter sucesso. O risco que se corre é cair numa moral reducionista, onde se opõe um vencedor a um perdedor, ou numa situação maniqueísta, que situa as pessoas entre o bem e o mal, entre fortes e fracos (sendo que os fracos não valem nada!) e, ainda, avaliar respostas individuais descontextualizadas.
Outra oposição muito comum é a que acaba dividindo as pessoas entre otimistas e pessimistas, colocando as primeiras do lado do sucesso e as segundas do lado do fracasso. A revista da Joyce Pascowitch, em sua edição de julho de 2009, dedica algumas páginas a essa questão, com textos de profissionais de diversas áreas.
O neurocientista Sidarta Ribeiro escreve que se pode dizer que ser otimista é uma atitude, um conjunto de emoções, um modo de processar idéias pela mente, que podem ser influenciados por fatores genéticos e envolver diversos neurotransmissores. Afirma ainda que tudo que acontece conosco afeta nosso cérebro, principalmente na infância, quando podem ser construídos caminhos bioquímicos para uma visão mais otimista da vida. Segundo o autor, existem técnicas que podem fazer com que encaremos o mundo de forma mais otimista, gerando reprogramação de circuitos neuronais e causando bem-estar. Conclui que “entender como o pensamento positivo se transforma em modificações celulares, em proteínas e assim por diante é fascinante” (Pascowitch, editor, p. 38).
O filósofo Luiz Felipe Pondé, por sua vez, afirma que o pessimismo não é necessariamente ruim, podendo ser, até certo ponto, uma forma crítica de ver o mundo, impulsionando as pessoas em busca de algo melhor (desde que não seja um pessimismo doentio, paralisante). Critica o otimismo demasiado, principalmente o pregado por livros de auto-ajuda, baseados em premissas pouco ou nada científicas. Diz que na filosofia clássica o otimismo está ligado à questão da autonomia, ou seja, a uma habilidade de nos mudarmos em meio às adversidades, aprendendo com o passado e usando a razão para nos guiarmos. Mas, nessa mudança, não temos como prever se as escolhas que fazemos transformarão nossa situação para melhor ou pior, não existindo fórmula para isso. Assim, não dá para ser sempre otimista. Coloca, de forma interessante, que “o que é adaptado hoje pode ser obsoleto amanhã e, quanto mais especializado um organismo vivo é, mais risco ele corre diante das variações externas” (Pascowitch, editor, p. 40).
A psicanalista Anna Veronica Mautner lembra a brincadeira do copo meio cheio e meio vazio e diz que ambas as respostas são verdadeiras. Afirma que o otimista consegue manter distância entre si e o acaso, conhecendo-se o suficiente para somente encarar aquilo que acha que consegue dar conta. “Nem irá fugir de todos os obstáculos, nem encarar todos” (Pascowitch, editor, p. 43). Coloca que ser sempre pessimista ou sempre otimista é um vício e que muitas vezes temos que ser pessimistas e muitas vezes temos que ter esperança.
Coloquei longamente essa questão aqui porque umas das situações que são avaliadas em alguns estudos de competência é justamente a forma como as crianças e adolescentes encaram o mundo em que vivem e como enfrentam os problemas que vão encontrando pela vida. E ainda o risco de serem avaliadas negativamente quando recuam (muitas vezes estrategicamente) frente a uma adversidade e quando se colocam de forma pessimista quanto à possibilidade de reverter situações estressantes. Valorizando somente o otimismo, uma posição positiva frente à vida, os pesquisadores correm o risco de programarem ações baseadas em premissas meramente ideológicas, sem levar em conta outras variáveis. Talvez mais importante do que avaliar visões positivas da vida seja avaliar conseqüências positivas de determinadas ações de enfrentamento das adversidades, baseadas ou não em posicionamentos otimistas.
Apesar de estudos indicarem que crianças que apresentam um melhor controle interno atingirem escores mais elevados em testes que crianças que demonstram mais exterioridade em um mesmo cenário, também demonstram que pode ocorrer uma relação negativa nessa equação, ou seja, com um melhor lócus de controle interno, justamente por se sentirem mais competentes, podem realizar escolhas e agirem diferentemente do que a sociedade espera delas, enquanto que as crianças com pouco controle interno, taxados de menos competentes, podem se sentir menos capaz de mudar o sistema de normas em que vivem e acabam se subjugando a ele (Morgan, citado por Ungar, 2004). Ou seja, não seguir o estabelecido, criticar o sistema, questionar as coisas vigentes podem ser atitudes altamente competentes, mas assim mesmo consideradas em pesquisas como desvirtuantes.
Mas o que os estudiosos, principalmente da psicologia do desenvolvimento, entendem por competência? O Project Competence, desenvolvido nos Estados Unidos, define competência em termos de um histórico de performances efetivas na realização de tarefas de desenvolvimento, que se sobressaem para pessoas de certa idade, tempo histórico e sociedade ou contexto (Masten e Powell, 2003, p. 5). De antemão, já percebemos que essas tarefas não podem ser generalizadas e que, talvez, o descumprimento de algumas delas para certa idade, em certo contexto social e em certo tempo histórico, não seria necessariamente um sinal de não competência, mas adaptações que se fizeram necessárias.
Ainda no mesmo projeto, os pesquisadores assumem que “em nossas definições de competência, “fazer bem” (“doing ok”) não exige realizações notáveis, mas se refere ao comportamento dentro ou acima da média esperada para um grupo normativo” (Masten e Powell, 2003, p. 6). Varia consideravelmente o critério pelo qual “fazer bem” é determinado em estudos sobre resiliência, indo desde uma simples ausência de distúrbios ou problemas de saúde mental, até um foco na competência em tarefas de desenvolvimento, com a inclusão de critérios de competência e ausência de sintomas. De fato, determinar se a criança ou o adolescente “faz bem” é algo que pode ser feito olhando-se somente para o sujeito; no entanto, é preciso dar ênfase no grupo e no contexto em que eles estão situados para avaliar o cumprimento de tarefas e o enfrentamento das adversidades, compreendendo o sentido holístico da competência de uma pessoa, ao se examinar o pacote ou padrões de resposta em vários contextos sociais proximais (Seidman & Pedersen, 2003, p. 320).
Teoricamente, a competência é definida como a interação complexa entre a criança e seu ambiente e sua avaliação poderá mudar à medida que a criança se desenvolve e muda ou quando muda o contexto que a cerca, ou seja, a competência para resolver problemas em um período de desenvolvimento não prevê competência mais tarde, em uma forma linear determinista, mas sim a competência em um período determinado pode ser usada para ajudar o indivíduo a se adaptar ao ambiente e se preparar para sua competência no período seguinte. Crianças que demonstram competência em um domínio pode não ser resilientes em domínios diferentes, mostrando que o conceito de competência dirige nossa atenção para o andamento de processos transacionais entre as pessoas e seus contextos sociais.
A competência individual é uma das principais candidatas para ser um fator de proteção diante das adversidades do ambiente. No entanto, parece não ser um fator de proteção muito forte, já que as crianças mais competentes “agem” melhor do que as menos competentes quando o nível de risco social está controlado, mas, em condições de alto risco, consistentemente agem pior do que as crianças menos competentes, em condições de baixo risco (Sameroff, Gutman & Perk, 2003, p.387). Os autores parecem mostrar que competência, quando avaliada, precisa ser sempre relativizada.
Em um trabalho desenvolvido por Ungar e Teram (citado por Ungar, 2004), foi identificado um padrão genérico entre comportamentos que reforçam resiliência entre jovens desajustados, porém saudáveis, e jovens delinqüentes, ou seja, buscavam resolver suas tarefas da mesma forma. Outros estudos também encontraram achados semelhantes entre jovens com e sem problemas de saúde e de comportamento. No mesmo estudo, os mesmos autores notaram que jovens considerados resilientes e jovens considerados vulneráveis demonstraram engajamento similar em processos protetores, que eram relatados como contribuindo para melhorar sua saúde. A característica diferenciadora entre os dois grupos foi a disponibilidade dos recursos para sustentar o seu bem-estar e sua auto-construção. Os jovens mais vulneráveis nesse estudo encontraram através da delinquência e comportamentos de desordem os mesmos recursos de saúde (auto-estima, competência, envolvimento significativo com sua comunidade e vínculos com outras pessoas) comparados com seus pares resilientes. “Indiscutivelmente, uma preocupação com desvios entre certos grupos marginalizados, incluindo jovens vulneráveis e em risco, tem feito alguns pesquisadores fecharem os olhos para a normalidade que está aí presente” (Ungar, 2004, p. 354, citando Cross, 2003).
Em um estudo realizado com crianças escolarizadas de Porto alegre, e divulgado em 2003, Cecconello e Koller avaliaram a competência em 100 crianças, 50 meninos e 50 meninas, que apresentavam situação de risco. Para avaliar essas crianças entre 6 a 9 anos de idade utilizaram o Teste das Histórias Incompletas (THI), desenvolvido nos Estados Unidos por Mondell e Tyler e adaptadas pelas autoras do estudo para a situação brasileira. O teste é baseado em histórias incompletas em que a criança é convidada e estimulada a completar o final, onde são esperados alguns resultados (por onde se considera as crianças mais competentes ou menos competentes), entre eles aqueles com maior grau de otimismo e confiança interpessoal, no caso da subescala de confiança (aqui são considerados menos competentes finais pessimistas e destrutivos), enquanto que na subescala de auto-eficácia, os finais mais competentes são aqueles em que os esforços e comportamentos da criança são vistos como responsáveis pelos resultados, enquanto que os menos competentes são finais em que a sorte ou forças externas às crianças são vistas como responsáveis pelos resultados. O que talvez tenha faltado na avaliação das respostas é investigar se finais considerados menos competentes realmente o são frente à realidade em que essas crianças vivem, apesar das autoras fazerem uma ressalva sobre respostas das crianças que não cabiam dentro de certo padrão, mas que poderiam ser consideradas de certa competência. Mas insisto que se precisa refletir mais enfaticamente se posições como negativismo, sentimento de derrota, desistência, são realmente sinais de incompetência ou essa avaliação reflete apenas uma ideologia que incentiva a competição, o otimismo e o pensamento positivo, o apresentar-se feliz o tempo todo e o não suportar as dores da existência.
Uma das conclusões das autoras é bastante importante, quando avaliam que esse estudo indica que características como confiança, auto-eficácia e iniciativa, aumentam a possibilidade de planejamento de programas de intervenção, nos quais podem ser programadas atividades que viabilizem o desenvolvimento destas características, contribuindo para a competência social dessas e outras crianças. “Esses resultados têm implicações relevantes para a elaboração de programas de intervenção com crianças, nos quais é necessário focalizar o desenvolvimento de habilidades e características importantes, como a confiança e a auto-eficácia, para que elas se tornem mais envolvidas na resolução de seus problemas pessoais” (Cecconello e Koller, p. 10).
Reforço a importância de se limpar o ranço ideológico desses conceitos e contextualizá-los de forma clara durante essas intervenções. Planejar intervenções com o objetivo de identificar e estimular a competência entre crianças e adolescentes exige evitar todas as posições e pressupostos já apontados anteriormente. Se nossa tentativa enquanto pesquisadores e promotores de bem-estar é orientar o desenvolvimento do sujeito para uma direção mais favorável, é preciso entender o que é uma “direção mais favorável”, o que é “bem-estar” e o que é “competência”, o que é “adaptação” e o que é “risco” dentro de certa cultura, de certo tempo histórico e para determinadas crianças e adolescentes. Outra questão é não focar os estudos somente em indivíduos, em suas falas, tentando integrar aspectos biológicos, psicológicos, antropológicos e sociológicos com relação às perspectivas sobre a adaptação e desenvolvimento, pois dada a alta probabilidade das crianças enfrentarem em suas vidas múltiplos riscos, programas de prevenção e de intervenção serão provavelmente mais eficazes se focarem esses múltiplos riscos, de preferência de uma única vez, com o intuito de eliminar ou impulsionar fatores protetores.

BIBLIOGRAFIA
CECCONELLO, A, KOLLER, S, Avaliação da Competência Social em Crianças em Situação de Risco, Psico-USF, 8(1), 1-9, (2003);
MASTEN, A, POWELL, J, A resilience framework for research, policy and practice, in LUTHAR, S, Ed., Resilience and Vulnerability, Cambridge University Press, 2003;
PASCOVITCH, J, Ed., Poder, Glamurama Editora Ltda, São Paulo, Julho de 2009;
SAMEROFF, A, GUTMAN, L, PERK, S, Adaptation among youth facing multiple risks, in LUTHAR, S, Ed., Resilience and Vulnerability, Cambridge University Press, 2003;
SEIDMAN, E, PERDERSEN, S, Holistic contextual perspectives on risk, protection, and competence among low-income urban adolescents, in LUTHAR, S, Ed., Resilience and Vulnerability, Cambridge University Press, 2003;
UNGAR, M, A constructionist discourse on resilience, Youth & Society, Vol. 35, No. 3, 341-365 (2004).

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