Definition of resilience

"In the context of exposure to significant adversity, resilience is both the capacity of individuals to navigate their way to the psychological, social, cultural, and physical resources that sustain their well-being, and their capacity individually and collectively to negotiate for these resources to be provided in culturally meaningful ways" (www.resilienceproject.org)

sábado, 7 de agosto de 2010

RESILIÊNCIA E IDEOLOGIA

Quando pensamos no conceito de resiliência, ou mais exatamente em suas definições, devemos tomar cuidado com suas armadilhas, muitas vezes imperceptíveis, e que precisam ser clareadas e evitadas. Se bem que resiliência possa ser definida de diversas formas, dependendo da “corrente” que estuda e aplica esse conceito, da área em que é aplicada (nos campos comportamental, cognitivo, social e educacional da psicologia, psicologia positiva, psicologia do desenvolvimento, administração, teoria do trauma, teoria dos desastres, etologia, auto-ajuda e tantos outros), temos que estar atentos às formulações, e, portanto, nas suas aplicações que podem levar a uma estereotipia, à discriminação, a um “status quo”, que no seu conjunto poderíamos denominar de ideologia, seja a ideologia subjacente ao conceito, seja quanto à ideologia presente na avaliação de pessoas “resilientes” (como competentes e não competentes, adaptadas ou não adaptadas), seja na aplicação de projetos de adaptação de pessoas e comunidades ao pensamento corrente, ideologicamente bipartida, essa adaptação, em “vencedores” e “perdedores”.

Quanto à ideologia subjacente ao conceito de resiliência, o pensamento vulgar tende a intensificar a idéia de que resiliência é uma habilidade facilmente reconhecível (ou sua presença ou sua ausência), através de características na sua maior parte próprias do indivíduo (esquecendo o sujeito social e moral), por suas manifestações psicológicas, emocionais e sociais (inteligente, sociável, otimista, humorado, religioso, negociador, esforçado, etc), situados em um único ponto de sua vida (negando, além do contexto, a história de vida do sujeito). Extrair o indivíduo do seu meio e classificá-lo é um erro crasso, pois nos impede de enxergar suas habilidades “in loco”. Esse erro não é cometido somente por pessoas leigas, mas também por estudiosos que não avaliam essa questão de uma forma muito clara.

Também é afirmado que é possível desenvolver-se resiliência nos indivíduos (até mesmo em cursos que podem durar somente algumas horas!), apontando não só que esses indivíduos não são resilientes, mas também que precisam ser! Nesse caso, está claro que ser resiliente aqui é sinônimo de vencedor e competente e não resiliente quer dizer perdedor e não competente, reforçando essa bipolaridade em prol de um e em prejuízo do outro. Claro que é possível, e necessário, promover a resiliência, mas não se faz isso dizendo ao indivíduo sobre como ele deve agir, no que ele deve investir, e sim mostrando a ele como o ambiente em que vive (de trabalho, familiar, religioso, de lazer) e como alguns traços de sua personalidade influenciam na sua capacidade de enfrentar as adversidades, que esse ambiente deve mudar junto com ele, o que nem sempre é possível, e que sua resiliência é fruto de sua história de vida e da história social do meio onde vive e circula. Ou seja, que resiliente é menos o indivíduo e mais sua evolução e sua historização.

No que diz respeito à ideologia que aparece na avaliação de competências, o perigo aqui é o de novamente ser subestimado o ambiente em que o sujeito vive. Não é coerente comparar, nessa avaliação, um sujeito de um determinado contexto com outro de um contexto totalmente diferente. Por exemplo, comparar as habilidades de um adolescente pobre com um adolescente rico e dizer que aquele é menos resiliente que este é apontar uma ideologia de dominação que vige em nossa sociedade, de uma visão dos ricos sobre os pobres, do “norte sobre o sul”. É possível que aquele adolescente pobre com menos habilidades seja resiliente na sua comunidade e que o adolescente rico, mesmo com suas habilidades, seja considerado não resiliente no seu meio social. Se as qualidades que levam um indivíduo a ser caracterizado como resiliente são aquelas que se baseiam em seus comportamentos observáveis e que estão ou não de acordo com a ordem estabelecida socialmente, corremos sério risco de taxar de não resiliente aqueles que são rebeldes, questionam as ordens, as leis e as injustiças sociais, muitas dessas atitudes que não são aplaudidas pelo público e muitas vezes tecnicamente catalogadas de patológicas, refletindo uma visão do dominador sobre o dominado (o adolescente, pela sua dinâmica, corre seriamente esse risco!). E, talvez pior de tudo, que resiliente seria o indivíduo acomodado a essas diferentes condições de exploração, abuso, negligência e dominação na sociedade. Assim, dentro dessa visão, pode ocorrer um sério risco de o indivíduo que não estiver inserido dentro de um modelo de família vigente (heteronormativa, nuclear, etc), que não esteja de acordo com todos as crenças de sua comunidade ou que não estabeleça laços sociais considerados saudáveis ser taxado de não competente, não adaptado e não resiliente.

E não devemos esquecer que essas avaliações de competências (sociais, familiares, acadêmicas, emocionais, etc) geralmente são realizadas por profissionais que não deixam de repetir de certa forma a ideologia vigente na sociedade, ou seja, pode ocorrer aí um viés na maneira como enxergam o comportamento do indivíduo dentro da ótica das normas vigentes, podendo até mesmo aparecer uma visão deturpada daqueles que sucumbem como tendo alguma deficiência ou estando fragilizados, sendo seus fracassos na superação das adversidades atribuídos a uma fraca força de vontade ou pureza espiritual insuficientes. E é bom lembrar que uma avaliação do desenvolvimento do sujeito, dentro do chamado desenvolvimento normal, provém de pesquisas e escritos geralmente produzidos em sociedades desenvolvidas, com populações anglo-saxões, heteronormativas e dentro de determinadas culturas e que foram generalizadas para outras sociedades.

Outro mote ideológico na avaliação de resiliência é imaginar que os grupos focais para essa avaliação tenham que ser necessariamente aqueles grupos que supostamente possuem maiores riscos e se confrontam com maiores adversidade, e que, portanto, teriam um maior grau de sofrimento (e não raramente podendo ser vistos como uma ameaça para aquela sociedade onde se situam). Entre estes estariam os que vivem em comunidades pobres, os afro-descendentes ou de outras etnias que não a caucasiana, as chamadas famílias desestruturadas, os usuários de álcool e outras drogas e tantos outros grupos marginalizados. Não se pode dizer que os resilientes serão os mais fortes, os mais inteligentes, os mais bem nutridos e os melhores relacionados socialmente; essas qualidades podem não levar necessariamente à resiliência, enquanto que uma pessoa sem nenhum recurso pode ser obrigada a criar estratégias defensivas e buscar apoios nos mais diversos campos que a levam a se tornar resiliente. Nesse sentido, o espanto de leigos, e mesmo de pesquisadores, pelo número de pessoas resilientes que são encontradas nessas populações marginalizadas! E, em verdade, resiliência é algo muito comum, não se devendo imaginar que é resiliente quem somente tem todas as ferramentas, e as ideais, para superar as adversidades. Quando um sujeito não se torna resiliente, não quer dizer que ele é incompetente ou que se entrega aos seus problemas; quer dizer apenas que não encontrou em si mesmo e em seu ambiente as ferramentas para superar as adversidades de sua vida. A resiliência, assim, não é necessariamente o relato de sucesso, mas é a história do enfrentamento do sujeito com as adversidades que o confrontam. Resiliência não é estática, o sujeito não sendo resiliente o tempo todo e em todas as situações de adversidade. Portanto, é preciso reconhecer que mesmo os que sucumbem devem ter também suas qualidades reconhecidas e valorizadas.

O perigo maior parece estar na ideologia que carrega os projetos de aplicação de resiliência. Devemos, principalmente, ser cuidadosos para que o conceito de resiliência não seja usado para sustentar a ideologia vigente, usada meramente para a adaptação do sujeito (indivíduo ou comunidade) à sociedade, sem questionamentos quanto às iniqüidades que esse sujeito sofre, sem pensar também em mudar o meio social desse sujeito para diminuir sua vulnerabilidade e permitir que ele possa viver de forma mais saudável. Ou seja, a resiliência não deve ser usada como mais uma forma de legitimar a exploração capitalista e o aumento da desigualdade entre as pessoas. Ao se formular projetos de promoção de resiliência deve-se prestar atenção aos objetivos que procuram fomentar a equidade entre pessoas e comunidades, fortalecer os fatores de proteção, diminuir os riscos do sujeito e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Resta uma questão: qual a utilidade científica do conceito de resiliência, com todos esses senões, com todas as críticas teóricas e ideológicas que se faz contra ele? Mesmo com todos esses cuidados a tomar, a resiliência, na sua amplidão, pode ser usada de forma efetiva para teorizar, avaliar e promover as habilidades do sujeito no enfrentamento das adversidades. Mas como evitar essas armadilhas nesse processo?