Definition of resilience

"In the context of exposure to significant adversity, resilience is both the capacity of individuals to navigate their way to the psychological, social, cultural, and physical resources that sustain their well-being, and their capacity individually and collectively to negotiate for these resources to be provided in culturally meaningful ways" (www.resilienceproject.org)

domingo, 20 de maio de 2012

Resiliência na Adolescência


O conceito de adolescência é bastante recente na história da humanidade, tendo obtido seu real valor no século 19. A partir desse século a criança começa a ser identificada como pessoa e a receber mais investimento da família, sendo reconhecida como herdeira do amor e do dinheiro familiar.

Antes do século 18/19 não existia a consciência da particularidade infantil e a criança tinha um ingresso direto na sociedade dos adultos  assim que ela superava a fase de alto risco de mortalidade (conforme Ariès, 1981, apesar das críticas que as análises desse historiador vem sofrendo nos últimos anos: Flandrin, 1988).  Isso se refletia nos hábitos das crianças, como nas vestimentas, por exemplo, conforme vemos no texto e na figura abaixo.

“Finalmente há o menino (10 anos), vestido como os homens adultos, com calções, camisa de linho e jaqueta, e usando também um chapéu sobre os longos cabelos lisos” (Kunze, 1989). 

No século 19 a adolescência começa a ter períodos mais ou menos definidos: no menino, entre a primeira comunhão e o bacharelado; na menina, da primeira comunhão ao casamento (Grossman, 1998).

O conceito de adolescência e o reconhecimento desse período específico na vida humana pode ter surgido relacionado a fatores como aumento do tempo de vida, expansão do período escolar, cultura individualista e nova categoria de consumo do capitalismo

Para um grande número de culturas a adolescência é situada como um ritual de passagem da infância para a fase adulta, do mundo lúdico para o mundo das responsabilidades. A cultura ocidental, de modo geral, não apresenta um marco definido para o início (puberdade?) ou fim (independência financeira?) da adolescência. No caso do Brasil esse período geralmente é situado dos 12 aos 18 anos por um marco legal que é o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. No geral, parece haver concordância em a adolescência ser uma fase com muitas transformações físicas e psicossociais, marcando de forma característica essa fase da vida.
Esse momento de transição marcado pela adolescência difere de um grupo de eventos, pois a transição requer reorganização funcional (dinâmica) e estrutural. Esse período tem o potencial de alterar o comportamento, o afeto, o cognitivo ou o contexto social, causando mudanças que podem ter efeito durante a vida toda (ex.: mudança corporal, divórcio dos pais, morte de pessoas queridas, etc)

 Na análise dessa transição é preciso avaliar o desenvolvimento anterior (infância), timing individual, como o adolescente entende essa transição e o contexto onde ela ocorre (Stuart & Allen, s/d, p. 573).
O objetivo final dessa transição é a construção da identidade do adolescente, ou seja, fortalecer e aplicar a autonomia, garantindo a ele a capacidade de gerenciar seus próprios projetos de vida de modo responsável e diligente.

Nessa transição, muitos adolescentes enfrentam dificuldades que desafiam sua habilidade para crescer e se desenvolver de uma maneira que promova bem-estar emocional e cognitivo, sendo sobrecarregados na sua capacidade de lidar com a situação, por mais que tenham apoio em casa ou na escola. Essas condições indicam situações de risco (elas podem afetar o adolescente de forma irreversível) e resiliência (quando ele consegue lidar bem com a adversidade e sair dela sem marcas permanentes). Baixa autoestima, isolamento social, ideação suicida, transtornos alimentares, bullying podem ser algumas dessas situações de grande peso na vivência do adolescente.
 Para o adolescente poder adquirir resiliência a partir da situação ele precisa ter acesso a pessoas de sua confiança e criar laços afetivos com alguns adultos (os jovens mais resilientes sentem tranqüilidade e sentimento de alívio com o apoio recebido dessas pessoas).

O primeiro laço é com pessoas de sua família (seja a nuclear e/ou a estendida). A família na infância é promotora de leis e normas que dão segurança e proteção à criança (obs: é preciso pensar em como as famílias vão mudando sua constituição com o passar do tempo...); na adolescência ela reforça essas regras e limites, ao mesmo tempo em que é contraponto para o adolescente se situar com relação aos novos laços que vai criando, principalmente com os laços grupais.

O que é resiliência? Uma de muitas definições:
"A capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade" (Grotberg, 2005, p. 15).

  A resiliência tenta entender como crianças, adolescentes e adultos são capazes de superar adversidades e se sair bem, apesar de viverem em condições de pobreza, falta de recursos sociais, violência intrafamiliar e na comunidade, doença mental dos pais, etc. (Infante, 2005). No entanto, desenvolver resiliência não é evitar a adversidade, mas lidar com suas consequências negativas de uma forma saudável. A resiliência não é um atributo pessoal, mas um processo dinâmico entre múltiplos fatores de risco e fatores de proteção, sendo uma tarefa não somente da criança, mas também da família, da comunidade e das políticas públicas.
A novidade da resiliência é o abandono de um modelo de risco, baseado nas necessidades e na doença, focando-se em um modelo de prevenção e promoção, baseado nas potencialidades e nos recursos que o ser humano tem em si mesmo e ao seu redor. Ela questiona as formas em que os problemas e a população são pensados pelas instituições, geralmente enfatizando as carências e não as potencialidades, e considera o sujeito como agente de sua própria ecologia e adaptação - não um sujeito que apenas "carece" e "adoece" (Lindström, s/d). 
Edith Grotberg " (Grotberg, 2005, p. 17) aponta em seu trabalho algumas perguntas que se pode fazer ao sujeito (criança, adolescente) para avaliar como ela entende seu risco e percebe os fatores de proteção ao seu redor, levando em conta que a forma como o adolescente será atingido pelas variáveis externas depende de suas características internas (elaboração e percepção de risco):
  EU TENHO
- Pessoas ao meu lado em quem eu confio e que me amam, não importa o que aconteça;
- Pessoas que me colocam limites, assim eu sei quando parar antes do perigo ou do problema;
- Pessoas que me mostram como fazer as coisas direito pela maneira como elas fazem as coisas;
- Pessoas que me auxiliam quando estou doente ou em perigo;
- Pessoas que querem me ensinar como fazer as coisas do meu jeito.

  EU SOU / EU ESTOU
- Uma pessoa querida e amada pelos outros;
- Satisfeito por fazer coisas boas para os outros e mostrar minha preocupação;
- Respeitoso comigo mesmo e com os outros;
- Determinado por ser responsável por aquilo que faço;
- Tenho certeza de que as coisas vão dar certo.

  EU POSSO
- Conversar com as pessoas sobre coisas que me amedrontam e me incomodam;
- Encontrar formas de resolver os problemas que me aparecem;
- Controlar-me quando eu me sinto fazendo coisas que não acho certas ou considero perigosas;
- Reconhecer quando é uma boa hora para falar com alguém ou agir;
- Encontrar alguém que me auxilie quando eu preciso.

O foco nas fortalezas (nos recursos internos combinados com os externos para superar a adversidade) pode promover que o adolescente reconheça suas potencialidades e se torne cada vez mais consciente de suas habilidades e recursos para aumentar sua autoconfiança e autoestima. E se o ambiente, a família e a comunidade seguem apoiando o adolescente na superação da adversidade existe uma grande probabilidade de que ele continue se adaptando positivamente através do tempo (resiliência como uma capacidade estável durante a vida), na adolescência, adultícia e velhice (Infante, 2005).

É preciso encontrar nesses ambientes (família, escola, comunidade) tutores de resiliência disponíveis; tutores que tem a função e responsabilidade de dispor de fatores de proteção para os adolescentes enfrentarem as adversidades e saírem fortalecidos delas. Nas palavras de Boris Cyrulnik: “Nas teorias da resiliência, o sujeito está submetido à influência de uma constelação de determinantes entre os quais se debate e onde vai buscar intencionalmente os tutores ao lado dos quais poderá retomar o seu desenvolvimento” (Cyrulnik, 2006, p. 174). Esses mecanismos de proteção são compostos por recursos familiares e sociais disponíveis às crianças e aos adolescentes, bem como por suas próprias forças e características internas para lidar com a inevitável adversidade na vida.

Esses tutores podem dispor ao adolescente o estabelecimento de vínculos saudáveis para diminuir a repetição de comportamentos mortificantes; gerar possibilidades de empoderamento, cidadania e saúde; redução dos fatores de risco com promoção dos fatores de proteção; promoção de relações familiares não agressivas; desenvolvimento da sensibilidade para as necessidades da comunidade, dando a ele a oportunidade para o ativismo social (trabalhar pela mudança na sociedade como um todo através do envolvimento social e promoção de cidadania).
 
Os tutores tem ainda a responsabilidade política e social na construção do processo de resiliência na família e na comunidade e na criação de estratégias mais eficazes para a promoção de resiliência individual, familiar, comunitária, institucional e política. Lembrando que a comunidade que protege é aquela que dispõe fatores de proteção como inclusão econômica, social e cultural, valorização de atitudes e comportamentos não violentos e não discriminatórios, grupos e redes de supervisão para adolescentes e jovens e limitação e controle de acesso a drogas, álcool e armas de fogo. Isso favorece a prevenção, quando envolve todos os fatores sociais e ambientais que influenciam as escolhas que os jovens fazem.

O extraordinário poder social da ideia de resiliência não deriva apenas do seu potencial imaginado para mudar trajetórias de vida individuais, mas da possibilidade que ela tem de transformar o futuro das gerações subsequentes e das famílias e comunidades inteiras.
Por fim, é preciso fazer um alerta sobre os componentes ideológicos no estudo e na aplicaçao do conceito de resiliência. O primeiro alerta é que quando uma pessoa é chamada de resiliente, seja em uma conversa informal ou numa investigação sistemática, querendo ou não um diagnóstico é realizado, envolvendo critérios explícitos ou implícitos. Tecnicamente, chamar uma pessoa de resiliente é um tanto impróprio em uma terminologia diagnóstica porque a resiliência é uma descrição de um padrão geral, enquanto que o diagnóstico ocorre quando o indivíduo é comparado com o padrão. Talvez fosse mais apropriado dizer que "essa pessoa tem um padrão flexível "ou" essa pessoa mostra as características de resiliência (Masten, 2007, p. 4).
Segundo, é preciso pensar que quando dizemos que uma pessoa com características resilientes é aquela adaptada à sociedade, corremos risco de não enxergar resiliência em pessoas com padrões adaptativos diferenciados. Por exemplo, um adolescente visto como rebelde (não conformado aos padrões de determinado contexto) não teria sua resiliência reconhecida (a questão a ser feita seria: adolescente integrado para qual comunidade, em que tempo, em qual cultura, e qual área do desenvolvimento {cognitivo, emocional, social}?)
Terceiro. É preciso apontar que boa parte dos estudos sobre resiliência tendem a utilizar mais população branca, da maioria religiosa, escolarizada e com médio poder aquisitivo em suas coortes. Seriam necessários então estudos mais aprofundados com populações que não estão coladas ao padrão WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant) e dentro do mainstream de determinada sociedade.

 Por fim, atentar à questão de que uma maior limitação da resiliência é que ela está ligada a julgamentos normativos relacionados a resultados particulares. Se esses resultados não são desejáveis em certo contexto, então a habilidade para alcançar resultados num contexto de supostos fatores de risco não seria considerada resiliência, pois os modelos de sucesso estabelecidos por um grupo podem não coincidir com o referencial de resiliência de outro. Diferenças culturais são muito relevantes quanto a essa questão.

BIBLIOGRAFIA
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Ed. LTC. Rio de Janeiro, 1981;
Cyrulnik, B. O murmúrio dos fantasmas. São Paulo: Martins Fontes, 2005;
FLANDRIN, J.-L. O sexo e o ocidente. Ed Brasiliense, SP, 1988;
GROSSMAN, E. Adolescência através dos tempos. Adolescencia Latinoamericana, 1414-7130/98/1-68-74;
GROTBERG, E. H. Novas Tendências em resiliência. In MELILLO, A., OJEDA, E., Resiliência, descobrindo as próprias fortalezas, Artmed, Porto Alegre, 2005;
HAUSER, S.,  ALLEN, J. Overcoming Adversity in Adolescence: narratives of resilience. Disponível em http://assets.cambridge.org/97805218/07012/sample/9780521807012ws.pdf e acessado em 15 de maio de 2012;
INFANTE, F. A resiliência como processo: uma revisão da literatura recente. In MELILLO, A., OJEDA, E., Resiliência, descobrindo as próprias fortalezas, Artmed, Porto Alegre, 2005;
KUNZE, M. A Caminho da Fogueira. Editora Campus, 1989;
LINDSTRÖM, M. O significado de resiliência. Adolescencia Latinoamericana, 1414-7130/2-133-137;
MASTEN, A, POWELL, J. A resilience framework for research, policy and practice. In LUTHAR, S (Ed). Resilience and vulnerability – adaptation in the context of childhood adversities, Cambridge University Press, NY, 2007.