Reginaldo Branco da Silva
1- Desastres e catastrofes
Os desastres e as catástrofes não são fenômenos meramente naturais; eles apresentam também uma construção social, são frutos, de alguma forma, da ação do ser humano. O desenvolvimento econômico desenfreado, a deterioração ambiental, as crises econômicas, a má distribuição de renda e a desigualdade social afetam o cotidiano das pessoas e as suas escolhas, afetam a sua circulação pelo espaço físico e social, afetam sua segurança, gerando violência e incerteza. A escolha da ocupação da terra, do terreno não ocorre apenas pela paisagem, mas muito mais pela necessidade, às vezes pela única opção: o que foi deixado aos pobres, aos excluídos.
“O crescimento desordenado das cidades, a redução do estoque de terrenos em áreas seguras e sua conseqüente valorização provocam adensamentos dos estratos populacionais mais vulneráveis em áreas de riscos mais intensos” (Política Nacional de Defesa Civil, 2008, p. 5).
Pressionados pela ausência de recursos, a decisão por “invadir os locais disponíveis para os pobres” torna-se, na escala de privações, um posicionamento legítimo. O risco local torna-se pouco significativo diante da ameaça de desabrigo (sair da condição de risco através da remoção, mesmo com subsídios públicos para o pagamento do aluguel, não configura a situação de segurança almejada). A oportunidade de morar explica, em grande parte, o fato de as pessoas estarem em locais instáveis e precários. As pessoas escolhem a localização da moradia de acordo com as fontes de subsistência, com a redução de gastos, incluindo o pagamento do aluguel, livrando-os do pesadelo do despejo e da humilhação (Vargas, p. 103).
Essa escolha (forçada de alguma forma) do local de moradia onde ela não poderia estar, ou então pela falta de recursos políticos e econômicos para poder estar lá (já que o Estado geralmente se isenta nesse caso), produz um espaço e uma situação de vulnerabilidade (ou risco, para usar a classificação técnica e certamente ideológica da Defesa Civil) para o desastre. Ou seja, os menos favorecidos em todos os sentidos (socialmente, economicamente, culturalmente) são os mais atingidos pelas situações de desastres, pelo momento em si e pela dificuldade de se recuperar deles, inclusive psicologicamente (dificilmente pessoas com poder aquisitivo melhor são atingidos por desastres, mas pode ser que sim, principalmente em regiões serranas, onde se permite construir hotéis e mansões nas encostas das serras).
Além do mais, a população que escolhe essas “áreas de risco” para morar e viver é geralmente culpabilizada pelos desastres: pela própria ocupação, pelo desmatamento da área, pelo não cuidado com o lixo, entre outras acusações. Esse fato pode excluir ainda mais os excluídos ao pensar-se que, provocadores do desastre por ocuparem aquele espaço e insistirem em permanecer nele, não seriam merecedores de apoio governamental (o papel da mídia em espalhar esse tipo de pensamento é fundamental).
Qual é, então, a percepção de risco que se pode esperar das pessoas que ocupam áreas vulneráveis a desastres para construir suas vidas? Percebe-se que a vulnerabilidade individual e social é aprofundada pela negação do risco (provavelmente pela necessidade de se viver no local) ou seu desconhecimento, além de somar-se a outros fatores psicológicos que podem interferir na percepção de risco: sentimento de onipotência e pensamento mágico, levando à minimização da situação, falta de responsabilidade no desenvolvimento de planos, desqualificação, desestímulo, entre outros (Gómez, 2006, p. 72).
Podemos pensar que uma questão essencial relacionada à percepção e ao enfrentamento da adversidade é o desenvolvimento individual de um conjunto eficaz de respostas à adversidade, que inclui a avaliação inicial do evento e seus sentidos emocionais, a capacidade de regular as emoções frente a esse evento e regular a excitação para poder encontrar a resolução do problema, o que requer capacidade emocional e cognitiva da parte do sujeito. Porém, não podemos esquecer que essa capacidade individual de avaliação e enfrentamento é bastante condicionada pelo contexto social em que o sujeito vive e que lhe pode dar ou não essa condição (podemos questionar em que momento o cognitivo pode ser subestimado em função do emocional).
Precisamos levar em conta ainda que o aspecto social dos riscos pode variar consideravelmente conforme a sociedade, podendo ser influenciado por superstições, crenças religiosas e boatos, que tendem a apontar para um “culpado” pelo desastre, diluindo as responsabilidades. Esses fatores também incidem sobre a percepção do risco, diminuindo ou aumentando sua possibilidade.
Em todo caso, com certeza envolver o sujeito e a comunidade em atividades de prevenção pode levá-los a uma consciência maior sobre o local em que habitam. Isso não quer dizer necessariamente que essa percepção e a introjeção do risco seja igual a abandonar o local. O enraizamento, a identidade social, a proximidade com o trabalho, as amizades podem fazer com que o sujeito decida ficar e enfrentar o problema.
Além das atividades de avaliação e redução de riscos e de desastres, as ações de prevenção englobariam ainda programas de mudança cultural (mostrando que todos têm direitos e deveres relacionados com a segurança da comunidade contra desastres), treinamento de voluntários, empoderamento dessa comunidade com relação a seus direitos, educação para a saúde (incluindo a proteção da saúde mental), além de soluções físicas, como construção de muros de retenção, canaletas para escoamento de água, etc.
2- Psicologia dos desastres e das catastrofes
Para a atuação no momento do desastre e no a posteriori o ideal é que o grupo externo (Defesa Civil, Bombeiros, Exército, Prefeitura, etc) consiga formar grupos voluntários locais, cuja coordenação será dessa equipe de fora. “Quando a comunidade está desnorteada, uma tarefa essencial dos grupos externos será incentivar a ação das autoridades locais, do pessoal local de saúde e da comunidade, e ajudá-los a se organizarem, de modo que possam retomar o controle da situação” (OMS, 1989, p. 20). Isso faz com que a comunidade se sinta como participante da retomada de suas vidas, não simplesmente como alguém sendo assistido, recebendo assistência de forma passiva.
Um profissional de saúde mental pode e deve fazer parte dessa equipe externa que cuidará da população durante e/ou após um desastre ou uma catástrofe. O profissional não necessariamente precisa ser um psicólogo, mas para minhas considerações aqui vamos supor que seja ele. O psicólogo pode estar como voluntário ou como contratado pela Defesa Civil e deve receber um treinamento adequado para agir nessas situações. Tem, ainda, que estar sintonizado com o restante da equipe, pois pode ser que tenha que ajudar de outra forma, sem ser com apoio psicológico focado.
Um profissional de saúde mental pode e deve fazer parte dessa equipe externa que cuidará da população durante e/ou após um desastre ou uma catástrofe. O profissional não necessariamente precisa ser um psicólogo, mas para minhas considerações aqui vamos supor que seja ele. O psicólogo pode estar como voluntário ou como contratado pela Defesa Civil e deve receber um treinamento adequado para agir nessas situações. Tem, ainda, que estar sintonizado com o restante da equipe, pois pode ser que tenha que ajudar de outra forma, sem ser com apoio psicológico focado.
A função do psicólogo, quando intervém numa situação de desastre, não é realizar uma intervenção clínica- ainda que haja um efeito terapêutico-, mas sim intervir com a cidadania. “Nesse sentido, acredito que o trabalho tenha que ser sempre interdisciplinar, contínuo, mantido, porque as conseqüências são de longo prazo, e deve-se estar sempre articulado com as demais disciplinas que intervêm” (Gómez, 2006, p. 72) e para isso teria que haver uma adequação do papel do psicólogo, que seria adaptar-se a cenários pouco convencionais e mutantes, adaptar-se ao trabalho multidisciplinar, adaptar-se à variedade de discursos e modalidades de trabalho, trabalhar na comunicação, ter muita plasticidade e ter muita tolerância à frustração (Gómez, 2006, p. 76).
Pensando na questão da percepção de risco e no desastre ou catástrofe em si mesmos, a intervenção do profissional de saúde mental nessa situação seria ajudar a comunidade afetada a refletir sobre qual sentido tal evento adquire para ela, quando ele passa de um evento natural a um desastre humano e as conseqüências presentes e futuras na vida dessas pessoas. O que pode causar impacto nas pessoas não são o desastre e as perdas a que ele leva, mas sua representação, que é resultado do sentido que o sujeito ou a comunidade dá ao evento. O psicólogo, então, não valorizará a magnitude do desastre e a quantidade de estragos provocados por ele (o que talvez o restante da equipe multidisciplinar possa fazer), mas como as pessoas reagem de forma diferente a essa situação e o valor que dão a suas perdas. Isso é um sinal antecipado de como será a recuperação que esses sujeitos (indivíduos e comunidade) realizarão após o desastre.
Alguns aspectos nesse trabalho do psicólogo devem ser levados em conta. O primeiro deles é o tipo de pessoa a quem irá auxiliar, pois precisa pensar nas possibilidades dela suportar o desastre, a forma como o interpreta e sua possibilidade de se recuperar dele. Como exemplo, podemos pensar nas crianças (pela menor possibilidade de reação e fuga e pela incapacidade de entender o ocorrido), mulheres (sobretudo mães de crianças pequenas), idosos (pela debilidade física) e portadores de transtornos mentais.
No caso das crianças, elas apresentam uma vulnerabilidade especial diante do desastre, não somente por sua fragilidade física, mas também pelo ineditismo da situação enfrentada, o que pode gerar angústias, medos e traumas. Além do mais, a idade de desenvolvimento também pesa: “A Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD/ ONU) afirma que as crianças que experimentam um evento traumático antes dos 11 anos têm três vezes mais probabilidade de desenvolver sintomas psicológicos do que aqueles que vivem seu primeiro trauma sendo adolescentes ou adultos” (Pavan, 2009, p. 111).
No caso das crianças, elas apresentam uma vulnerabilidade especial diante do desastre, não somente por sua fragilidade física, mas também pelo ineditismo da situação enfrentada, o que pode gerar angústias, medos e traumas. Além do mais, a idade de desenvolvimento também pesa: “A Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD/ ONU) afirma que as crianças que experimentam um evento traumático antes dos 11 anos têm três vezes mais probabilidade de desenvolver sintomas psicológicos do que aqueles que vivem seu primeiro trauma sendo adolescentes ou adultos” (Pavan, 2009, p. 111).
O papel do psicólogo seria, juntamente com os pais, prover a criança de informação sobre a situação, não minimizando sua gravidade, mas colocando a possibilidade da recuperação, inclusive com pequenas tarefas que ela pode exercer. Se a criança estiver se sentindo culpada por algum motivo, dirimir esse seu sentimento de culpa, escutando sua narrativa sobre o acontecido.
Outro aspecto importante a ser levado em conta pelo psicólogo atuando em catástrofes é que, apesar de os efeitos físicos de uma catástrofe geralmente serem aparentes (mortes, casas destruídas, vilas inteiras soterradas ou arrastadas pelo vento ou pela água), os efeitos emocionais são mais difíceis de serem percebidos: medo, ansiedade, culpa, depressão e diversos outros sintomas podem passar despercidos- mesmo quando continuam por algum tempo depois do desastre-, acometendo as vítimas e a equipe de socorro.
Alguns dos efeitos emocionais ocorrem em resposta à vivência da situação de desastre, outros são respostas a longo prazo para os efeitos físicos, econômicos e socias causados por essa situação. A possibilidade desses efeitos ocorrerem, tanto durante quando após o desastre, pode ser diminúida se houver intervenção de profissionas habilitados para isso.
Talvez o choque principal sofrido pela sujeito no momento do desastre e num tempo razoável após sua ocorrência seja em relação ao desespero de ter perdido pessoas importantes e recursos materias imprescindíveis, o que pode levar ainda à desesperança, raiva, desconfiança, impotência e inconformismo, afetando a saúde mental da pessoa exposta ao desastre.
Como essas consequências oriundas da vivência do desastre podem apresentar variações culturais, religiosas, e outras, compreender essas nuances é importante para o profissional de saúde mental atuar no tratamento dos sintomas ou mesmo no planejamento de ações de prevenção a desastres e catástrofes. Assim como também se deve levar em conta os padrões de estrutura familiar e as divisões de classe, principalmente para as soluções a curto prazo pós-desastre, como por exemplo na oorganização do alojamento das pessoas que perderam suas casas. No Brasil, com profissionais brasileiros atuando, não creio que isso seja um problema maior, pois as variações culturais entre as regiões não são significativas nesse caso.
Alguns efeitos psicológicos consideráveis não aparecem senão depois de um tempo razoável do desastre ter acontecido, quando as pessoas começam a perceber melhor o que realmente ocorreu e algumas lembranças recomeçam a aparecer. É o momento em que surgem as depressões e ansiedades, não raro ocorrendo tentativas de suicídio (Ehrenreich, 2001, p. 12). Por isso é importante os profissionais se colocarem à disposição para uma busca de ajuda mesmo depois de terminado o trabalho de resgate.
Alguns fatores podem aumentar as possilidades de consequências psicológicas em pessoas que passaram por situações de desastres e devem ser levadas em conta nas ações de prevenção: a gravidade e o tipo de acidente, treinamento da população para sua ocorrência, vulnerabilidade social e econômica da população, etc. Por outro lado, existem fatores que diminuem a possibilidade da ocorrência desses transtornos, por exemplo o sujeito possuir uma rede importante de apoio social (família, igreja, amigos), experiência anterior com outros desastres, maiores possibilidades econômicas para se recuperar das perdas materiais, etc.
A grande maioria dessas respostas é normal nesses momentos de sobrecarga emocional, não podendo ser consideradas como transtornos mentais (e as próprias pessoas que as apresentam devem ser orientadas com relação a isso, pois podem pensar que estão enlouquecendo). É um sofrimento importante, mas deve ser contextualizado e pode até mesmo estar funcionando como um mecanismo de adaptação àquela situação difícil, física e emocionalmente. No entanto, o profissional deve oferecer assistência para diminuir as situações de pânico, desorientação e aflição, até para que as pessoas possam recuperar o controle e cooperar adequadamente no seu resgate e na segurança da comunidade. Essa assistência pode incluir conforto e consolo para as vítimas, ajudá-las a se reunir com suas famílias e sua comunidade, acompanhamento na identificação de mortos, busca por vaga em alojamentos, etc.
O psicólogo pode ainda oferecer auxílio durante e após o desastre na divulgação de informações corretas a respeito dos fatos, por exemplo, dirimindo boatos que podem atrapalhar o trabalho da equipe de resgate (boatos sobre saques, arrastões e vendas de órgãos dos mortos não comuns de serem espalhados). Pode ainda informar sobre a regulação dos alojamentos, a divisão das tarefas, sobre questões de higiene, alimentação, etc.
A destruição da própria comunidade onde o sujeito estava inserido é outra consequência dos desastres e das catástrofes: laços de amizade são rompidos, grupos de trabalho são desfeitos, comunidades religiosas deixam de existir. Ou seja, a identidade social do sujeito pode ser rompida e esse fato merece atenção dos profissionais de saúde mental que estão atuando nessa situação.
Outra possibilidade de atuação do psicólogo é no trabalho de saúde mental com a equipe de resgate, já que ela pode sofrer com essa experiência (retirada de corpos, longas horas sem dormir, identificação com as vítimas, sentimento de impotência e culpa, exposição à raiva e aparente ausência de gratidão das vítimas acabam sobrecarregando a capacidade de lidar com a situação) e merecem os mesmos cuidados psicológicos que os moradores do local. É preciso lembrar que mesmo nesses trabalhadores os efeitos podem ocorrer em longo prazo.
No caso da relação da equipe com a população durante o resgate, o psicólogo pode atuar no fortalecimento dos laços de cooperação, melhorar a confiança entre eles e aproximando a equipe com as lideranças locais. Isso não somente pode aumentar a efetividade do resgate durante o desastre atual como também ajudar na prevenção de desastres futuros (por exemplo, a equipe de resgate e os líderes locais podem ser treinados sobre as conseqüências psicológicas do enfrentamento dos desastres e até poder ajudar nessas situações).
A intervenção (com toda a ideologia que essa palavra pode carregar) do psicólogo no momento de crise pode ser realizada utilizando-se de um “conjunto de técnicas que visam a ajudar a pessoa em crise a adquirir controle sobre essa situação crítica. O apoio e a ajuda focada para tal momento podem evitar problemas posteriores. A intervenção em crise pode ser focada em uma pessoa, várias pessoas juntas ou em pequenos grupos (incluindo uma unidade familiar)” (Ehrenreich, 2001, p. 65). Identificar primeiramente os elementos da crise, clarificando-os para a pessoa ou grupo, levar a pessoa ou grupo a desenvolver estratégias de solução dos problemas e se mobilizar para essa solução são as etapas desse tipo de intervenção que pode ser utilizada durante os desastres.
É preciso lembrar que não somente os diretamente afetados pelo desastre (população local e equipe de resgate) podem ter reações psicológicas que precisam receber atenção. Nesse sentido uma rede de saúde mental pode ser acionada a ficar de prontidão na cidade e até em outros locais mais distantes para acompanhar esses casos.
Rodrigo Molina (Molina, 2006, p. 59) apresenta uma taxonomia do nível de vítimas, diferentes níveis de vitimização, de acordo com a proximidade dessas pessoas com o evento. Os níveis são os seguintes:
– Primeiro nível: pessoas que sofrem o impacto direto do desastre;
– Segundo nível: familiares diretos das vítimas do primeiro nível;
– Terceiro nível: integrantes das equipes de primeira resposta;
– Quarto nível: a comunidade envolvida no desastre;
– Quinto nível: aquelas que ficam sabendo do acontecimento;
– Sexto nível: aqueles que deveriam estar, mas não estavam no lugar do evento por diversos motivos.
3- Psicologia dos desastres e das catástrofes e resiliência
A primeira coisa a deixar clara é que resiliência não é a mera recuperação que o sujeito (indivíduo ou comunidade) consegue realizar após alguma adversidade, seja de que intensidade for. Recuperar-se de uma situação única, situada no tempo, não quer dizer que o sujeito tenha sido resiliente. Resiliência é sim a capacidade de se sair bem, e até melhor, de uma situação que pode extrapolar a capacidade do sujeito de lidar com as conseqüências físicas e psicológicas durante ou após essa situação, mas ela apresenta algumas características que fogem ao situacional e ao temporal.
O termo recuperação conota uma trajetória em que o funcionamento normal temporariamente dá lugar a psicopatologias aparentes ou latentes, geralmente por um período de vários meses e depois retorna ao nível anterior ao evento que causou a disfunção. Uma recuperação completa pode ser relativamente rápida ou pode demorar vários anos.
Em contrapartida, a resiliência reflete a capacidade de manter um equilíbrio estável e não é a simples ausência de psicopatologia. “Para julgar resiliência deve-se decidir (1) se o sujeito tem se exposto ao risco ou a uma adversidade significante e (2) se o sujeito (indivíduo ou comunidade) está funcionando efetivamente e fazendo o que lhe é esperado” (Masten & Obradovic, 1998, p3).
Uma revisão das pesquisas disponíveis sobre perda, violência e eventos que oferecem risco de morte indica claramente que a grande maioria de sujeitos expostos a tais eventos não apresentam perfis de sintomas crônicos e que muitos, em alguns casos a maioria, mostra um tipo de funcionamento saudável sugestivo de resiliência (Bonanno, 2004, p.3). Isso pode, contraditariamente, levar à crença de que essas pessoas que não apresentam transtornos após desastres, por exemplo, estariam justamente apresentando algum tipo de problema, por não reagirem como as pessoas esperam que elas reajissem.
Na verdade, estudos demonstram que a reação mais comum em face de desastres é a não apresentação de nenhum sintoma denotando transtorno psicológico (ansiedade, depressão, culpa, medo, etc), o que contraria o esperado por cientistas e leigos (Bonanno, 2005, p. 2).
Mudar percepções, compreensões, recursos, papéis e responsabilidades de todos relacionados ao desenvolvimento aumentam a probabilidade de influenciar a reação do ser humano para as catástrofes. Preparar uma vasta população para qualquer tipo de desastre requer uma perspectiva desenvolvimental em resiliência humana, risco e vulnerabilidade, assim como a integração de idéias sobre resiliência das ciências da comunicação, engenharia, computação, saúde pública, ecologia, etc.
Experiências e respostas das pessoas serão influenciadas pelo funcionamento dos sistemas em que elas estão incorporadas, e particularmente pelo comportamento das pessoas em quem elas confiam ou que funcionam como segurança em uma relação de apego. Todo planejamento para o desastre deve levar em conta o sistema de vinculação e como tais relacionamentos são prováveis de motivar comportamentos e proverem um sentido de segurança ao sujeito. Esse sistema de vinculação, além de ser importante principalmente para as crianças poderem recuperar-se psicologicamente de situações de adversidade, é um fator que pode proporcionar resiliência a essas crianças.
A resiliência individual (capacidade de resposta às situações de adversidade) pode ser incrementada se o indivíduo estiver inserido em uma comunidade resiliente, que pode ser avaliada levando-se em conta se ela consegue realizar uma análise crítica da situação, se estabelece redes de instituições solidárias de resposta aos problemas, se conta com a existência de normas e regras de convivência e se o espaço grupal é multiplicador dos fatores protetores que conduzem a comportamentos resilientes. Isso permite o estabelecimento de um processo dialético entre resiliência individual e resiliência comunitária, permitindo ao indivíduo reconhecer os pontos fortes da comunidade e se aproveitar deles.
BIBLIOGRAFIA
BONANNO, George, Loss and trauma, and human resilience, in American Psychologist, vol. 59, No. 1, 10-28, 2004;
BONANNO, George, Resilience in the Face of Potential Trauma, in American Psychologist, volume 14, number 3, 2005;
EHRENRECIH, John, Coping with disasters: a guidebook to psychosocial intervention, State University of New York, 2001;
GÓMEZ, Claudia, Saúde mental na gestão dos desastres: intervenção no cotidiano e nos eventos, in Seminário Nacional de Psicologia das emergências e dos desastres, Conselho Federal de Psicologia, Brasília, 2006;
MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, Política Nacional de Defesa Civil, Brasília, 2008;
MOLINA, Rodrigo, Psicologia das emergências e dos desastres: uma área em construção, in Seminário Nacional de Psicologia das emergências e dos desastres, Conselho Federal de Psicologia, Brasília, 2006;
ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAÚDE, A atuação do pessoal local de saúde e da comunidade frente aos desastres naturais, Genebra, 1989;
PAVAN, Beatriz JC, O olhar da criança sobre o desastre: uma análise baseada em desenhos, in Valencio, Norma Et all (organizadores) Sociologia dos desastres, versão eletrônica, 2009;
MASTEN, Ann & OBRADOVIC, Jelena, Disaster preparation and recovery: lessons from research on resilience in human development, Ecology and Society 13(1): 9.
VARGAS, Dora, A Construção social da moradia de risco, in Valencio, Norma Et all (organizadores) Sociologia dos desastres, versão eletrônica, 2009.
Artigo sensacional! Gostaria de sua autorização para publica-lo em nossa revista "Bombeiros Sem Fronteiras". Para tal precsio apenas de um breve currículo de v.sª.
ResponderExcluirConheça nosso projeto em:
www.bombeirossemfronteiras.com.br
Att.
Carlos Simas
presidente@bombeirossemfronteiras.com.br
Parabéns... Resiliência e humanidade !
ResponderExcluirOlhar somente para a porta que se fecha, sem notar aquela que se abre pode simplesmente ser uma forma de ter esperança. Mas quando damos a mãos e ajudamos a ver esta outra porta, sentimos o quanto somos útil! E o quanto somos necessários!
Abraços calorosos e voluntários
Regina Mitra
reginamitra.no.comunidades.net
Portugal
Reginaldo,
ResponderExcluirExcelente texto.Gostaria de usar em um artigo academico que estou escrevendo. Seria possivel??
dany.vilas.boas@hotmail.com
Parabéns, excelente texto!
ResponderExcluirexcelente texto, muito didático, pra quem está começando nessa área!
ResponderExcluirotimo parabens
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