Reginaldo Branco da Silva
Nos últimos anos estudos sobre resiliência que tem levado em conta a análise de condições multifatoriais para chegar a conclusões do por que algumas pessoas sucumbem a situações de adversidade, e outras não, mostram o equívoco de análises que se baseiam somente em características individuais como fatores de enfrentamento e superação de situações de tensão. Levar em conta também os fatores comunitários, culturais, ambientais e genéticos facilita a abordagem nos estudos sobre resiliência, bem como a intervenção como promoção de possibilidades de enfrentamento (coping), tirando das costas do indivíduo a responsabilidade única pelo sucesso ou insucesso na superação das situações de adversidade.
Este texto é sobre a defesa da participação dos aspectos biológicos no processo de resiliência, mais ainda, sobre como a plasticidade cerebral influencia, e é influenciada, pelos aspectos sociais, culturais, espirituais e psicológicos do indivíduo; ou seja, como o cérebro muda e pode ser mudado pelas experiências do dia a dia. Essa plasticidade tem, comprovadamente, um componente genético importante na sua construção e é vista como um dinâmico processo do sisterma nervoso central (CNC) que orquestra constantemente alterações neuroquímicas, estruturais e funcionais em resposta à experiência. De fato, tem sido sugerido que a plasticidade do cérebro humano é um dos mecanismos centrais que definem o sucesso evolutivo da espécie humana.
O progresso continuado das pesquisas sobre as experiências de enfrentamento que os indivíduos realizam e como os componentes biológicos, mormente a genética, atuam facilitando ou dificultando essas experiências permitem que se tenha uma imagem mais abrangente e sofisticada do processo de resiliência. No entanto, é preciso ter claro que essa perspectiva não deve ser interpretada erroneamente como se a resiliência fosse um fruto somente da biologia. Além disso, a inclusão de medidas biológicas da pesquisa em resiliência não deve dar ouvidos a cientistas que pensam que isso seria voltar para o momento em que alguns defendiam a ideia de que havia crianças ´invulneráveis´ (CHICHETTI & BLENDER, 2006, p. 250). Por tudo isso, tem havido cientistas que tem fechado os olhos à importância da genética e não incorporado esse componente em seus estudos sobre os determinantes da resiliência, não levando em conta que o conhecimento da variação genética pode auxiliar na identificação de quais indivíduos seriam mais vulneráveis aos efeitos adversos e quais as função protetoras por genes estariam presentes, através da investigação da interação gene × meio ambiente (G × E). Essa negação pode aumentar a possibilidade de serem apontados fatores emocionais em determinados casos de resiliência que na verdade são obtidos por fatores genéticos (Rutter, 2007, p. 497).
A participação dos componentes biológicos como determinantes do processo de resiliência é evidenciada na função do sistema neural e neuroendócrino em relação ao enfrentamento da adversidade, e pesquisas sobre genética molecular podem revelar os elementos genéticos que servem como proteção para os indivíduos que experimentam tensões significativas, tais como crianças que sofrem maus tratos familiares, abandono, violência sexual, etc. Além disso, uma poderosa ferramenta para a identificação dos genes da vulnerabilidade e da proteção poderá ser em breve utilizada, que é o mapa de haplótipos humanos, “o que permitirá fornecer informações valiosas sobre a variação genética individual que, em interação com experiências ambientais específicas, podem levar a distúrbio mental ou resiliência, respectivamente” (CHICHETTI & BLENDER, 2006, p. 250).
A análise múltifatorial enfatiza a importância fundamental das inter-relações de diversos fatores em seus estudos, não relegando os resultados a um único fator, o biológico ou psicológico, por exemplo, nas pesquisas sobre resiliência. Assim como a expressão do gene altera o comportamento social, as experiências psicossociais alteram a expressão do gene. Exemplo são os maus tratos a crianças, que exercem transformações no desenvolvimento do cérebro, modificando sua expressão gênica, sua estrutura e seu funcionamento, assim como alterações na expressão gênica induzidas pelo aprendizado e pelas experiências sociais e psicológicas produzem mudanças nos padrões de conexões neuronais e sinápticas e na função das células nervosas. “Tais modificações neuronal e sináptica não só exercem um papel proeminente em iníciar e manter as mudanças de comportamento que são provocadas pela experiência, mas também contribuem para as bases biológicas da individualidade, assim como evidenciam indivíduos que estão sendo diferentemente afetados por experiências semelhantes, independentemente da sua valência” (CHICHETTI & BLENDER, 2006, p. 251). No entanto, nada é determinístico, pois é provável que a experiência de abuso e negligência de crianças possa exercer efeitos diferentes sobre a estrutura, função e organização neurobiológicas em crianças maltratadas que deram a volta por cima e superaram essa dificuldade, do que em crianças maltratadas que não se recuperaram psicologicamente.
Há pequeno, mas crescente, corpo de resultados de estudos genéticos moleculares em que as variações genéticas particulares foram encontradas associadas com acentuadas diferenças na suscetibilidade a determinados fatores de risco. Como exemplos dessa interação gene-meio ambiente (GxE) estão os resultados da investigação de Caspi (CASPI et. alli, 2002, p. 851), sugerindo que essa interação ajuda a explicar porque algumas crianças maltratadas, mas não outras, desenvolvem comportamentos anti-sociais através do efeito que essas experiências de adversidade exercem sobre o desenvolvimento do sistema neurotransmissor. Esses achados permitem explicar parcialmente porque nem todas as vítimas de maus tratos repetem esses maus tratos quando crescem e produzem evidências epidemiológicas de que os genótipos podem moderar a sensibilidade das crianças para as agressões do meio ambiente. Estudos sobre essas associações são citados por Rutter (RUTTER, 2007 p. 492), sobre transmissão genética do uso de álcool e outras drogas e por Chichetti e Blender (CHICHETTI & BLENDER, 2004, p. 17.326), em que a resposta de um indivíduo às agressões ambientais é moderada pela sua composição genética.
Essas investigações de análises de múltiplos níveis podem revelar os elementos genéticos que estão probabilisticamente associados às conseqüências do mau desenvolvimento e da psicopatologia, e, alternativamente, os genes que servem como função de proteção para os indivíduos que experimentam adversidade significativa (CHICHETTI & BLENDER, 2004, p. 17.325). As evidências surgidas sobre a influência dos fatores genéticos servem para destacar a importância de se considerar a ampla variedade de possíveis mecanismos de mediação e moderação na resiliência. Será essencial distinguir com vistas ao entendimento da resiliência quais indivíduos, por causa do seu genótipo, podem responder de forma mais competente e vantajosa às adversidades em condições ótimas de desenvolvimento.
Rutter (RUTTER, 2007 p. 494) aponta que os genes não operam em apenas um caminho, situando quatro pontos dessa questão: primeiro, os genes que afetam E (meio ambiente) podem não ser os mesmos que fornecem o principal efeito sobre o transtorno principal; e o G (fatores genéticos) que carrega o risco de P (fenótipo psicológico) pode não ser o mesmo G que cria a susceptibilidade para E (meio ambiente); segundo, o efeito precisa estar somente (ou principalmente) no ambiente de criação; terceiro, existem algumas circunstâncias em que pode haver transmissão intergeracional de experiências adversas maternas, um efeito que servirá para simular a transmissão genética; e quarto, assume-se que a interação gene-meio ambiente passiva (considerada puramente genética) envolve riscos ambientais que afetam todas as crianças da mesma forma.
Futuras pesquisas sobre resiliência com bases biológicas terão o desafio de tentar relacionar a plasticidade neural a fenômenos particulares de comportamento, tentando encontrar associações entre comportamentos e alterações específicas nos processos neurais, provocadas por fosforilação e expressão de genes. Para isso, é de suma importância que as investigações sobre os correlatos e determinantes
de adaptação resiliente comecem a incorporar métodos de genética molecular e neurobiológicos em suas ferramentas de medição predominantemente psicológicas. Por exemplo, postular se algumas das dificuldades apresentadas por pessoas que sofreram adversidades significativas em suas vidas são irreversíveis, ou se existem períodos sensíveis particulares, quando é mais provável que a plasticidade neural e comportamental ocorra. Embora o debate continue em torno da veracidade dos modelos da intereção gene-meio ambiente, e futuros estudos são necessários antes que essas hipóteses possam ser definitivamente confirmadas, existem fortes indicações de uma associação direta entre variações genéticas e consequências na saúde mental (KIM-COHEN & GOLD, on line, p. 4).
Do ponto de vista da intervenção, três conclusões inter-relacionadas que derivam da visão geral dos efeitos GxE são importantes: 1- É evidente que alguns riscos podem ser geneticamente determinados, porém, exercem seus efeitos através de diversos mediadores ambientais; 2- De forma análoga, alguns mediadores ou moderadores podem parecer moldados pelo ambiente, quando na realidade são em grande parte influenciados geneticamente; e 3- É uma ressalva importante para o segundo, isto é, mesmo atributos sujeitos a fortes influências genéticas não são necessariamente fixos ou imutáveis para as intervenções (efeitos genéticos são probabilísticos, não deterministas ...) (RUTTER, 2007, p. 502).
Por fim, é necessário lembrar que não há garantias de que mesmo crianças de lares amorosos irão desenvolver resiliência de forma tranqüila. Certas crianças podem nascer com uma grande capacidade para resiliência, em oposição a outros jovens que, mesmo quando providos de amor, uma boa educação e atividades comunitárias, podem debater-se com situações típicas de adversidade. Por exemplo, crianças defrontadas com problemas como depressão, ansiedade e dificuldades para aprendizagem, todos com uma forte base biológica (genética), travarão uma grande luta para se tornarem resilientes. Não é que biologia seja destino, mas ela tem uma grande influência no desenvolvimento da criança.
BIBLIOGRAFIA
BROOKS, R., GOLDSTEIN, S. Nurturing resiliente in our children, McGraw Hill, NY, 2003;
CASPI, A. et alli. Role of Genotype in the Cycle of Violence in Maltreated Children, Science, vol 297 2 August 2002;
CICCHETTI, D., BENDER, J. A multiple-levels-of-analysis approach to the study of developmental processes inmaltreated children, PNAS December 14, 2004 vol. 101 no. 50;
CICCHETTI, D., BENDER, J. A Multiple-Levels-of-Analysis Perspective on Resilience Implications for the Developing Brain, Neural Plasticity, and Preventive Interventions, Ann. N.Y. Acad. Sci. 1094: 248–258 (2006). C 2006 New York Academy of Sciences.doi: 10.1196/annals.1376.029;
KIM-COHEN, J., GOLD, A. Gene–Environment Interactions and Resilience, disponível em www.psychologicalscience.org/journals/cd/18_3_inpress/kim-cohen.pdf, acessado em 20 de março de 2011;
RUTTER, M. Genetic Influences on risk and protection, implications for understanding resilience, in LUTHAR, S. (editor), RESILIENCE AND VULNERABILITY, adaptation in the context of childhood adversities, Cambidge University Press, New York, 2007.