Fatores de risco e fatores de proteção
O ser humano está inserido em cotidianos que oferecem diversos tipos de riscos, que podem ser maiores ou menores levando-se em conta o gênero, a classe social, a escolaridade e a política do lugar onde vive. Para se opor a esses riscos podem-se apresentar a ele diversos tipos de fatores de proteção: individuais (competência social, habilidade para solução de problemas, autonomia, sentido de objetivo e de futuro, etc), familiares (valores, cuidado, comunicação, etc) e sociais (saúde, educação, emprego, segurança, etc) dos quais ele pode fazer uso para superar as adversidades. Como o ser humano está inserido num mundo de fenômenos sociais, biológicos, psicológicos e espirituais, a espiritualidade (e as consequências dela) também se oferece como um fator de proteção, fazendo frente a diversos fatores de risco.
O que é espiritualidade
A primeira coisa a deixar claro é que espiritualidade é diferente de religião; melhor dito, ela é composta pela religião, ou seja, a religião é somente uma manifestação possível da espiritualidade. Assim, a espiritualidade não deve ser confundida com religião de qualquer tipo, não sendo essa necessária ao exercício daquela.
A espiritualidade é composta por um sistema de compartilhamento de valores, crenças, normas, diretrizes, geralmente dando sentido aos eventos que ocorrem no mundo (compreensíveis e não compreensíveis), principalmente aos eventos desafiadores; em relação a estes, permite obter-se confiança e otimismo no seu enfrentamento. Espiritualidade também permite ao sujeito compreender quando não pode levar uma tarefa adiante, a desistir do que não consegue ter controle.
A espiritualidade pode ser explicitada através do discurso e de rituais, compondo manifestações de fé, comunhão, expressando os valores, propostas e objetivos de vida, inspirando visão de futuro e de superação. Essas manifestações são suportadas por tradições culturais e religiosas, por ídolos e figuras míticas da história de vida do sujeito (indivíduo, família e comunidade).
Quanto à religião, está integrada na cultura, fazendo parte do dia-a-dia das pessoas, se manifestando tanto no público quanto no privado (dependendo da cultura e do desenvolvimento econômico e político local). Essa integração na cultura faz com que a religião gere crenças pessoais (otimismo, auto-estima, direção ao futuro), familiares (normas, crenças e ritos e valores espirituais) e comunitárias (normas, ritos e mitos, valores), facilitando seu circular pelo mundo.
Função da espiritualidade
A espiritualidade faz com que o sujeito entenda que as coisas não acontecem ao acaso, que descubra sentido e coerência na vida e sentido de propósito de futuro. Tendo caráter multidimensional e sendo dependente de recursos internos do sujeito, pode ser exercida de forma coerente ou não, de forma mais ou menos racional, sendo benéfica ou prejudicial ao sujeito.
A espiritualidade pode dar um sentido profundo à vida, um sentido de pertencimento a um todo maior, uma esperança abrangente que prevalece sobre tudo, tendo como base uma segurança íntima a partir do contato com o transcendente. Ela permite apreender a realidade com maior profundidade (mesmo as que ultrapassam nossa experiência física imediata), dando outro sentido às coisas que nos acontecem e que acontecem no mundo. Enfim, esse sentido da vida e motivos para viver derivados da espiritualidade permite ao sujeito encarar a realidade com mais otimismo, força interna e saúde em geral.
Espiritualidade e resiliência
Podemos afirmar que crenças globais (crenças religiosas, otimismo, motivação para a tarefa) podem funcionar como fatores de proteção, diminuindo o estresse frente aos riscos e aumentando a efetividade de enfrentamento das situações desafiadoras. O estabelecimento de laços sociais, espirituais e culturais permite buscar suportes, quando necessário, nos momentos de adversidade. A simples crença no transcendente, fazer parte de uma comunidade de fé, em que todos se suportam nos momentos de adversidade, possibilita um enfrentamento mais saudável e não isolado da situações difíceis, permitindo ao sujeito (indivíduo, família, comunidade) momentos de resiliência. Sujeitos mais resilientes estão mais ligados à espiritualidade e se declaram mais vinculados a algum tipo de religião.
Quanto à inserção religiosa, fazer parte de um grupo religioso possibilita que o sujeito tenha ajuda material (alimentos, roupas, emprego, empréstimos financeiros), social (rede de relações, regras, normas e práticas), emocional (sentido positivo da vida, otimismo, coerência) e espiritual (sentido transcendente, estabilidade na fé e orientação de vida). O grupo religioso pode fazer parte de um ambiente facilitador (juntamente com recursos pessoais, habilidades sociais e aspectos familiares), favorecendo a possibilidade de o sujeito recuperar-se de uma adversidade de uma forma mais saudável.
Além do mais, a ligação com líderes religiosos podem promover uma base segura (normas, regras e valores) ou vínculo afetivo (apoio emocional e espiritual). Tanto a religião quantos os líderes religiosos clamam pela responsabilidade e solidariedade e esse cotidiano sócio-espiritual sustenta uma rede cultural e social ampla de valores, dando segurança e sentido de pertencimento e conexão com outras pessoas, famílias e comunidades. Como complemento, os rituais tradicionais (incluindo a presença de entidades supernaturais – ancestrais, por exemplo, permitindo uma identidade étnica) estão associados a uma maior resiliência.
Pesquisas
Muitas pesquisas foram realizadas apontando a importância da espiritualidade e da religião no sentido de permitir uma saúde geral para o sujeito e aumentando sua inserção social e cultural na comunidade. No entanto, pesquisas ainda precisam ser feitas, por exemplo, para indicar se a espiritualidade e seu exercício efetivamente protegem jovens contra delinquência e violência, se é possível desenvolver competência espiritual para se desenvolver resiliência e se a espiritualidade e a religião e o apoio da igreja realmente funcionam como promotores de resiliência.
Olá Reginaldo, tudo bom? Parabéns pelo blog e pelo assunto abordado da resiliência...Sou Psicóloga Hospitalar e constato que a espiritualidade ajuda no processo da resiliencia e promove benefícios no aspecto da saúde fisica e mental. Todavia, não podemos esquecer que espiritualidade é uma coisa e religiosidade é outra...Abraços, Marisa de Mello
ResponderExcluirGostei muito deste teu artigo,e tomo a liberdade de compartilha-lo em minha pagina no Facebook,obrigada.
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