BRASIL RESILIENTE! A resiliência é uma capacidade universal que permite que uma pessoa, um grupo ou uma comunidade previnam, minimizem ou superem os efeitos prejudiciais da adversidade. A resiliência pode transformar ou fazer mais forte as vidas daquelas pessoas que são resilientes (The International Resilience Project)
Definition of resilience
"In the context of exposure to significant adversity, resilience is both the capacity of individuals to navigate their way to the psychological, social, cultural, and physical resources that sustain their well-being, and their capacity individually and collectively to negotiate for these resources to be provided in culturally meaningful ways" (www.resilienceproject.org)
segunda-feira, 30 de abril de 2012
sábado, 21 de abril de 2012
PSICOLOGIA POSITIVA E RESILIÊNCIA
O
propósito da psicologia positiva é ampliar o olhar da ciência psicológica para mais
além do sofrimento humano e da busca por sua diminuição ou cessamento. Sua
intenção é abordar o experienciar humano a partir de uma perspectiva
integradora sob a qual o sujeito é concebido e se concebe como um agente ativo na
construção de sua própria realidade. Para isso, procura realizar estudos
científicos das experiências positivas (individuais ou coletivas) e sua relação
com as questões de saúde.
A
psicologia positiva aponta para o afastamento de um ponto de vista reducionista
de algumas áreas da psicologia que apostam no ceticismo diante de expressões de
saúde de indivíduos, grupos ou comunidades de que eram esperadas que estivessem
doentes em meio a uma série de adversidades e turbulências. E aponta ainda para
necessidade de se olhar para esses aspectos positivos e de se realizar pesquisas
sobre aspectos como esperança, criatividade, coragem, sabedoria,
espiritualidade e felicidade, que acabam moldando e sendo consequência de uma
visão otimista do mundo.
A
psicologia positiva tem a intenção de contribuir para o desenvolvimento e o bem-estar
das pessoas, grupos e instituições, apontando meios para o fortalecimento de
competências, apesar de reconhecer as deficiências do sujeito em alguns de seus
embates. Para ela, as expressões de emoções positivas são duradouras e promovem
recursos pessoais que geram saúde e bem-estar.
O
que são pessoas otimistas? São pessoas que esperam que coisas boas aconteçam a elas (em oposição a
pessimistas, que esperam que coisas ruins aconteçam). Os otimistas são vistos
como tendo expectativas diferentes em relação aos problemas e acreditam que as adversidades
podem ser enfrentadas com o pé na realidade e sem perder a esperança e o humor.
Essa capacidade de se manter com expectativas positivas sobre o futuro é vista
como uma força que influencia o comportamento e as estratégias de enfrentamento
em momentos de desafios. Os otimistas tendem a experimentar menos desconforto
do que aqueles de natureza pessimista e mantêm um nível saudável de bem-estar
psicológico. No entanto, o otimismo pode não ser a estratégia adaptativa mais
interesssante em situações particulares de estresse extremo.
Tendo em vista que
o constructo de resiliência toma dimensões a partir de processos que explicam a
superação de adversidades, poder-se-ia sugerir que esse conceito busca tratar
de fenômenos indicativos de padrões de vida saudável. Assim, o olhar da
resiliência compartilha da psicologia positiva em alguns aspectos,
principalmente quando tenta intervir sobre as fortalezas dos sujeitos e não
estudar somente suas deficiências. Reconhece-se, ainda, que sujeitos considerados
resilientes não cultivam emoções positivas apenas para eles mesmos, mas eliciam
essas emoções em outras pessoas. Sendo assim, com certeza os estudos e as
aplicações do conceito de resiliência devem caminhar juntos às pesquisas e
aplicações da psicologia positiva.
Site
indicado: http://www.psicologiapositiva.com.br/
sexta-feira, 6 de abril de 2012
O texto abaixo é uma tradução minha de um capítulo do livro Risk and Protective Factors in the Development of Psychopathology, edited by Jon Rolf, Ann S.
Masten, Dante Cicchetti, Keith H. Nuechterlein and Sheldon Weintraub, Cambridge University Press,
NY, 1990
Competência
sob estresse: fatores de risco e de proteção
Ann S. Masten, Patricia Morison, David Pellegrini e
Auk Tellegen
A psicopatologia do
desenvolvimento está finalmente ganhando reconhecimento como uma perspectiva
interdisciplinar viável, provendo um impulso para estudos sustentados sobre
fatores de risco e fatores de proteção na infância (Cicchetti, 1984; Masten
& Braswell, no prelo; Sroufe and Rutter, 1984). Esse campo levou mais de
uma década para se recuperar com Norman Garmezy e uns poucos psicopatologistas
pioneiros que reconheceram a necessidade de uma perspectiva desenvolvimentista
e da significação teórica e clínica ao se estudar adaptação em crianças
vulneráveis à psicopatologia (Garmezy, 1970, 1973, 1974a,b).
Por mais de duas décadas na Universidade de
Minnesota, Garmezy tem traduzido seu interesse em respostas positivas para
condições de alto risco dentro de um programa de pesquisa que tem compreendido
uma variedade de estudos sob a rubrica de “Projeto Competência”. Esses estudos
de adaptação tem focado em amostras normativas, assim como em amostras de alto
risco, incluindo crianças em risco por má adaptação por causa de fatores como doença
mental de um dos pais, deficiência física (Raison, 1982; Silverstein, 1982) e
defeitos congênitos potencialmente fatais. Comum a todos esses diversos estudos
tem sido o foco na competência, corrigindo negações tradicionais de
psicopatologistas quanto à adaptação bem sucedida sob condições adversas (Garmezy,
1981; Garmezy & Devine, 1984; Garmezy & Tellegen, 1984).
Os estudos com crianças do Projeto Competência foram
uma consequência natural dos estudos anteriores de Garmezy sobre adultos
esquizofrênicos, que o levaram ao interesse por competência antes do
adoecimento (Garmezy & Rodnick, 1959) e então ao estudo da adaptação em
crianças em risco para esquizofrenia (Garmezy, 1970, 1971). Garmezy participou
de um consórcio de pesquisadores sobre risco que empreenderam a primeira
geração de estudos sobre alto risco para psicopatologia, seguindo o exemplo
anterior de Fish, Mednick e Schulsinger ao estudar descendentes de pais esquizofrênicos
(Garmezy, 1974c,d).
Os objetivos,
metodologias, sucessos e até mesmo as falhas previsíveis dos estudos de
alto-risco (Watt, Anthony, Wynne, & Rolf, 1984) geraram frutos inesperados
para a psicopatologia do desenvolvimento em sua infância e para estudos
sistemáticos de resistência ao estresse em crianças. Esses estudos de
alto-risco inevitavelmente levam a desenhos longitudinais e a uma preocupação
com mudanças desenvolvimentais na adaptação. Procurando por sinais anteriores
de psicopatologia, muitos desses investigadores encontraram uma vasta gama de
diferenças individuais na adaptação (embora não necessariamente relacionadas ao
risco para esquizofrenia), que tinham muito a ver com variações no status
socioeconômico, condições adversas de criação, estabilidade familiar,
complicações no nascimento, inteligência e assim por diante. Da mesma forma,
estudos de crianças com complicações perinatais e estudos de precursores de
delinquência apontaram para a importância de fatores de risco e fatores de
proteção semelhantes (Garmezy, 1984; Masten & Garmezy, 1985).
Durante a última
década, o Programa do Projeto Competência de Garmezy se voltou para estudos de
amostras de comunidades normativas, adicionados a estudos de população de risco
específico. O propósito desses estudos normativos era explorar a aparente
habilidade de algumas crianças para se adaptar muito bem a despeito de eventos
de vida fortemente desvantajosos. Gradualmente esses estudos foram focando fatores
de risco e fatores de proteção para competência na meia infância a
adolescência, colocando questões como as seguintes:
- Quais são as
características de competência nas crianças, principalmente aquelas que foram
expostas a circunstâncias de vida estressantes?
- Quais são os
potenciais fatores de risco e fatores de proteção que aumentam ou reduzem os
efeitos negativos da exposição ao estresse?
- Quais são os
preditores em longo prazo de adaptação na adolescência a partir da meia
infância?
- Quais são as
implicações para a intervenção?
Esses estudos começaram
por definir adaptação sob adversidade (“resistência ao estresse”) como a
manifestação de competência em crianças apesar da exposição a circunstância
estressantes em suas vidas. Consequentemente, dois construtos tinham que ser
operacionalizados: exposição ao estresse e competência. Quando os
estudos-piloto e os planejamentos desses estudos começaram no final dos anos 70,
não tinha havido até então nenhum estudo sistemático predizendo competência na
infância, e estudos de estresse em crianças eram também poucos e desconectados
entre si. Devido à pobreza de estudos empíricos, atenção especial foi dirigida
para a medida dos dois constructos. Em muitos casos, medidas tinham que ser
desenvolvidas ou revisadas para o estudo em mãos, e então testadas para
confiabilidade, estabilidade e validade.
O desenho de estudos de
coortes comunitárias são descritas em mais detalhes em outro lugar (Garmezy,
Masten, & Tellegen, 1984; Garmezy & Tellegen, 1984; Masten et al.,
1988). Os participantes foram recrutados em duas escolas elementares em uma
comunidade urbana em Mineápolis. Suas estruturas socioeconômicas variavam, mas
eram predominantemente famílias de classe baixa e média. Vinte e oito por cento
das crianças da amostra final representavam minorias étnicas e 45% eram de
famílias não separadas.
Uma visão geral dos
procedimentos é fornecida na tabela 11.1.
Tabela 11.1. Projeto Competência – coorte
comunitária: visão geral dos procedimentos
Ano 1
Fatos de vida
colhidos via correio: Life Events Questionnaire
Avaliação da
competência da criança na escola:
Avaliações
de professores: Devereux Elementary School Behavior Rating Scale
Avaliações
de colegas: Revised Class Play (Masten, Morison, & Pellegrini, 1985)
Sucesso
escolar: informações colhidas na escola
Entrevistas com
os pais iniciadas: três sessões de 2 horas (Linder, 1985)
I-Estrutura familiar, história,
atividades, relacionamentos
II-Comportamento da criança,
atividades, relacionamentos
III-Eventos de vida contextualizados
Questionário
de Desenvolvimento (Developmental Questionnaire)
Home Rating Scales por
entrevistadores
Family Rating Scales por
entrevistadores
Ano 2
Fatos de vida
estressante reavaliados
Competência da
criança na escola reavaliada:
Informações colhidas de professores,
colegas e dados da escola
Peabody Individual Achievement Test (PIAT) (Dunn & Markwardt, 1970)
Atributos da
criança medidos:
Habilidade intelectual
Cognição social (Pellegrini, 1985)
Humor (Masten, 1986)
Pensamento divergente (Masten, 1982)
Reflexão-impulsividade (Ferrarese,
1981)
Entrevistas com
a criança: duas sessões de 1 hora (Finkelman, 1983; Morison, 1987)
Temas: escola, atividades, amigos,
família, aspirações, planos, autoconceito, eventos de vida
Estudo de seguimento (7-8 anos depois)
Em andamento: adaptação na adolescência tardia
O estudo foi iniciado
com o envio de um questionário a todos os pais de alunos da terceira à sexta
série em duas escolas (N=610). O Life Events Questionnaire (LEQ) era baseado na
revisão de Coddington’s (1972a,b) do método de Holmes e Rahe (1967) e fornecia
uma contagem rápida e relativamente objetiva de eventos recentes de vida. Uma
pontuação de eventos negativos de vida foi compilada por uma simples contagem
de 30 dos 50 eventos que estão no LEQ que foram negativos e com pouca
probabilidade de ser o resultado do comportamento ou da competência da própria
criança (exemplo, morte de um parente, um amigo que se mudou). Cinquenta e nove
por cento dos pais devolveram o LEQ. Esses que responderam foram posteriormente
convidados a participar em outras atividades de pesquisa.
Pais de 205 crianças
que eventualmente participaram no conjunto completo de procedimentos foram
entrevistados sobre sua família (história, relacionamentos, atividade, suporte
social, etc), sobre o filho que participava da pesquisa (comportamento,
atividades, relacionamentos, rseposta à disciplina, etc) e sobre seus eventos
de vida. Essas entrevistas ocorreram através de três visitas domiciliares. A
visita da última entrevista foi desenhada para fazer um inquérito detalhado
sobre os eventos de vida dos últimos 2 anos, na tentativa de colocar esses
eventos num contexto de significado mais individualizado (Linder, 1985).
Outra perspectiva da
exposição ao estresse foi provida pelo entrevistador, que na conclusão das
entrevistas domiciliares classificou a família num grupo de 30 itens de escalas
desenhadas para cobrir impressões clínicas globais da família. Três dos itens
do Family Rating Scales especificamente preocuparam a avaliação dos
entrevistadores sobre o nível de exposição da família ao estresse.
A medida da
competência, definida em termos do funcionamento efetivo em meios ambientes
importantes, requereu uma perspectiva desenvolvimentista (Waters & Sroufe,
1983). Medidas tinham que ser selecionadas para avaliarem as qualidades do
funcionamento apropriado ao nível de desenvolvimento da amostra, neste caso de
crianças. Garmezy (1973), seguindo Whitehorn, descreveu essas tarefas como a
habilidade para trabalhar bem, brincar bem e amar bem. Na meia infância essas
tarefas incluem ajustamento escolar, aceitação pelos colegas e relacionamentos
familiares positivos.
A medida de competência
no contexto escolar foi enfatizada por causa da importância da escola na vida
dessas crianças. Múltiplas perspectivas na competência escolar infantil foram
obtidas, incluindo avaliações dos professores, dos colegas, notas escolares e
atuação em testes padronizados de desempenho.
Um dos primeiros objetivos
do projeto comunitário foi identificar a estrutura da competência. Competência
foi suposta como sendo multidimensional e as diferentes dimensões eram esperadas
que variassem de importância conforme as fontes de informação. Resultados de
uma análise fatorial de avaliações escolares de competência indicaram que duas
dimensões baseadas em avaliações de professores e colegas na escola foram
particularmente salientes. Essas dimensões foram nomeadas Comprometido-Descomprometido
(Engaged-Desengaged) e Inquieto na Sala de Aula (Classroom Disruptive) (Garmezy
et al., 1984). A primeira dimensão reflete a qualidade do envolvimento com
colegas e atividades na sala de aula, e a última a reputação entre os colegas e
professores como inquieto, agressivo ou opositivo. A correlação entre esses
dois componentes foi modesta (r = - .25 no Ano 1).
Desempenho acadêmico
foi deliberadamente mantido como uma variável separada, representando um
aspecto distinto da competência escolar, prontamente definida pela média de
pontos e desempenho nos testes padronizados, que foram altamente
correlacionados. Para o mesmo ano escolar, a média de pontos foi moderadamente
relacionada à dimensão Comprometido (r= .56 no Ano 1) e modestamente
relacionado a Inquieto (r= -.30).
Outras medidas, bem
como informações obtidas das entrevistas, foram desenhadas para avaliar
modificadores potenciais da relação da exposição ao estresse com competência;
em outras palavras, para pesquisar fatores de risco e fatores de proteção. Esse
incluíam atributos individuais como habilidade intelectual, cognição social e
humor, bem como atributos ambientais como status socioeconômico (SES) e
qualidades familiares.
Informações das
entrevistas com as mães proveram duas perspectivas nas qualidades familiares.
Uma consistia nas próprias respostas das mães às questões postas. Essas
respostas foram codificadas e 28 pontuações combinadas foram formadas através
de combinação racional e análise fatorial. Essas 28 combinações incluíam
tópicos tais como o alcance do suporte social maternal, mobilidade familiar e proximidade
mãe-filho. Duas combinações de segunda ordem também foram extraídas, combinando
muitos itens dessas 28 combinações, que foram denominadas Estabilidade/Organização
Familiar e Coesão Familiar. A primeira incluía itens concernentes com a
mobilidade da família, mudanças no status do casal e número de empregos dos
pais, assim como a adequação geral da casa, incluído sua aparência e
manutenção. A última incluía itens como envolvimentos sociais da família, assim
como qualidade do relacionamento mãe-filho, quantidade de contatos sociais com
a família e com parentes e disciplina.
A segunda perspectiva
nas qualidades familiares se baseava na entrevista feita com os próprios
entrevistadores, que completavam um grupo de 30 escalas das Family Rating
Scales na conclusão de suas três visitas domiciliares. Essas 30 escalas
decorriam de 5 pontos globais de avaliação, muitos dos quais concernentes às
qualidades familiares percebidas, tais como “consistência das regras
familiares” e “qualidade da relação pais-filhos”, bem como estresse familiar
(descrito anteriormente). Análise fatorial sugeriu que três dimensões foram
medidas por esse instrumento (Masten et al., 1988). A dimensão mais evidente e
o maior grupo de itens apareceram ao se medir competência maternal em relação à
parentalidade e foi rotulada Qualidade Parental. Outras dimensões foram
Sociabilidade Familiar e Estresse Familiar.
Correlações
entre competência e exposição ao estresse
Os critérios de correlação
de competência na escolar (Comprometido, Inquieto e desempenho) sugeriram que
certas características individuais e familiares foram associadas com adaptação atual
bem sucedida nessas crianças. Correlações selecionadas são apresentadas na
tabela 11.2.
Tabela 11.2. Correlações
entre competência escolar e eventos estressantes na vida
Dimensões da competência escolar
Atributo Comprometido Inquieto Pontuação média Eventos
de vida negativos
Atributos individuais
Sexo .22***
-.19** .04 -.01
QI
.36*** -.21** .55*** -.17**
Dados demográficos
SES .20**
-.17** .29*** -.21**
Salário .13* -.17** .12** -.31***
Educação da mãe .08
-.12* .23*** -.05
Tamanho da família .02
.09 -.08 .16**
Família intacta .05 -.20** .04 -.29***
Família intacta .05 -.20** .04 -.29***
Qualidades familiares
Parentalidade global
Qualidadeᴬ .36*** -.25*** .38*** -.27***
Sociabilidade
familiarᴬ .32*** -.05 .16*
-.02
Estabilidade familiar/
Organizaçãoᴮ .16**
-.32***
.22***
-.42***
Coesão familiarᴮ .25***
-.11 .10 -.16*
*p<.05;
**p<.01; ***p<.001
Nota: dados do
Ano 1; N=194-207
ᴬEscores combinados das Family Rating Scales completados
pelos entrevistadores dos pais após três visitas domiciliares
ᴮEscores combinados baseados nas respostas pelos pais
às questões das entrevistas
Crianças com
envolvimento de alta qualidade no ambiente escolar, que eram comprometidas e
empenhadas, geralmente tinham maiores recursos pessoais e ambientais, como uma
maior habilidade intelectual, mais alto status socioeconômico (SES) e maiores
qualidades familiares positivas. Como notado em outro lugar, crianças
competentes apresentaram uma grande variedade de qualidades cognitivas,
incluindo melhor consciência interpessoal e compreensão social, um maior estilo
de reflexão cognitiva, maior pensamento contestador e maior habilidade para
apreciar e gerar humor (Masten, 1986; Pellegrini, 1985; Pellegrine, Masten,
Garmezy, & Ferrerese, 1987).
Diferenças de
sexo na competência social apareceram nas avaliações dos professores. Esses professores
de escola fundamental avaliaram as garotas como sendo mais positivamente
comprometidas em atividades na sala de aula (mais cooperativas, atentas e
confiantes), assim como menos inquietas (menos opositoras e agressivas).
Análise de regressão em separado (Masten et al., 1988) sugeriu que a habilidade
intelectual era um melhor preditor de comportamento inquieto para os garotos,
enquanto que Qualidade Parental era um melhor preditor de inquietação para as
garotas.
A variável
Estabilidade/Organização Familiar era um preditor igualmente negativo de inquietação
para garotos e garotas. Crianças com uma história de instabilidade no ambiente (exemplo,
mudanças frequentes, mudanças no status marital dos pais) e recente
desorganização em casa (exemplo, deszelo nas tarefas domésticas) foram mais
prováveis de serem avaliadas como inquietas pelos professores e colegas de
classe.
As correlações
de eventos de vida recentes na tabela 11.2 sugerem que adversidade recente está
associada com a história de eventos adversos ou desvantagens crônicas, como
rupturas conjugais, mudanças de casa e pobreza. O número de eventos de vida
reportados em um ano também estava correlacionado com o nível de eventos
reportados no ano seguinte (r= .50).
Também está
evidente na tabela 11.2 que crianças com maiores recursos tendiam a estar
expostas a menos eventos de vida. Infelizmente, são as crianças com menores
recursos as que apresentam maior probabilidade de serem desafiadas por eventos
de vida adversos. No entanto, como notado alhures (Masten et al., 1988),
exposição a eventos estressantes estava apenas modestamente associada com
competência prejudicada. Uma associação modesta foi observada independente se o
estresse estava ou não indexado por uma simples conta de eventos negativos de
vida, por uma pontuação ponderada de eventos ou por julgamentos clínicos a
partir dos entrevistadores, baseados em rica informação contextual. O esforço
para relacionar exposição ao estresse com adaptação deve ir além de correlações
simples.
Fatores de proteção: recursos testados pela
adversidade
Implícito no
conceito de fatores de proteção está a ideia de que a adaptação foi desafiada
(Rutter, 1979). Os recursos descritos anteriormente como simples correlatos de
competência podem ou não funcionar como fatores de proteção sob adversidade.
Para testar especificamente a ideia de que essas características associadas com
competência tem um papel “protetor”, nós examinamos se eles moderam ou não a relação da exposição ao
estresse (eventos de vida recentes) com competência (Masten et al., 1988). Por
exemplo, quatro dos recursos listados na tabela 11.2 foram empiricamente
identificados através de análise de regressão como moderadores da exposição ao
estresse: QI, SES e dois escores das Family Rating Scales (Qualidade Parental e
Sociabilidade Familiar).
Um padrão
consistente, porém complexo, emergiu na maneira como esses recursos operam,
revelando a importância das diferenças individuais, bem como a importância da
escolha dos critérios de competência. Por exemplo, quando o critério era Inquietação na Sala de Aula, QI e SES mostraram efeitos de proteção (moderador ou de
interação) tanto para garotos quanto para garotas. Qualidades familiares, como
Qualidade Parental e Sociabilidade Familiar, contudo, pareceram ser protetores
com respeito a inquietação somente para garotas.
Quando o
critério era a qualidade do comprometimento, esses recursos não pareceram ser
protetores. Ao invés disso, crianças com tal qualidade pareceram ser um pouco
mais vulneráveis a altos graus de exposição ao estresse. Crianças com essa
qualidade que experimentaram altos níveis de exposição ao estresse mostram uma diminuição
mais significante de competência na dimensão Comprometido do que as mesmas
crianças com eventos de vida estressantes recentes.
O padrão geral
dos achados pode ser ilustrado pela comparação da competência das crianças com
muitos recursos e a competência das crianças com poucos recursos nos diferentes
níveis de exposição ao estresse. As quatro variáveis previamente identificadas
como moderadores foram vistas como recursos ou fatores de risco para competência
e combinadas, pela soma de escores z,
para formar um índice de risco versus recursos. Competência foi então plotada
como uma função de eventos de vida para comparar os padrões de crianças com
alto e baixo risco. Para o propósito de ilustração, grupos de alto e baixo
risco foram definidos como o terço inferior e o terço superior dos escores na
combinação dos quatro recursos (QI, SES, Qualidade Parental e Sociabilidade
Familiar). Os resultados para garotos e garotas foram plotados separadamente e
assim seus padrões podiam ser comparados. Dois níveis de exposição ao estresse
foram plotados: baixo (0 a 2 eventos) e alto (4 ou mais eventos). Para cada
nível de eventos de vida o nível médio real de competência (Comprometido, Inquieto
e Média dos Pontos) foi plotado. Os resultados são apresentados na figura 11.1.
EVENTOS
DE VIDA ESTRESSANTES
Figura 11.1. A relação entre o número de eventos de vida
estressantes e competência é mostrada como uma função de risco. Garotos e
garotas são mostrados separadamente. As quatro variáveis somadas dentro do
índice risco versus recursos foram SES, QI, Qualidade Parental e Sociabilidade
Familiar. Baixo risco foi definido como o terço superior da distribuição dos
recursos combinados (isto é, possuindo muitas vantagens), com alto risco sendo
o terço inferior.
Essas figuras sugerem
que o status de risco definido nesse estudo estava altamente relacionado à
competência escolar, particularmente para comprometimento positivo na sala de
aula e desempenho acadêmico. Os dados sugerem que as relações dos eventos de
vida com competência podem diferir não apenas como uma função de status de
risco, mas também concordando com o critério de competência e o sexo da criança.
Garotos de alto risco pareciam ser mais descomprometidos na escola que garotas
de alto risco. Sob baixo estresse, crianças de alto risco de ambos os sexos
eram relativamente mais descomprometidos, menos empenhados e mais inquietos
que aqueles colegas de classe de baixo risco.
Com exposição a alto risco,
crianças de alto risco pareciam se tornar mais inquietos, embora o nível de seu comprometimento na escola não variasse
muito com exposição ao estresse. Para crianças com baixo risco/com vantagem
(low-risk/advantage), o comprometimento pareceu diminuir como uma função de
exposição ao estresse, mas apenas garotos mostraram altos níveis de Inquietação no
contexto de alta exposição ao estresse; as garotas mostraram baixos níveis de inquietação
mesmo quando a exposição ao estresse foi alta. As notas escolares não variaram
significantemente como uma função de eventos negativos da vida, embora eles
pareçam ter sido uma tendência para o desempenho declinar um pouco em garotos
com vantagens em altos níveis de estresse.
A
abordagem de um único caso: aprendendo de exemplos e exceções
Esses potenciais
padrões de adaptação, baseados em análises de tendências grupais, se
distanciaram das crianças avaliadas individualmente. Embora seja crucial para o
avanço de nossa ciência generalizar através de um caso único, estudos intensos
de casos únicos podem enriquecer nossa compreensão dos resultados estatísticos
e auxiliar em nossa busca por pistas sobre quais consequências podem ter sido
“não previstas”. Exemplos e exceções de um único caso para prever padrões de
dados podem ser ambos informativos. O “caso para o caso único” foi bem
estabelecido por Garmezy (1982).
Portanto, nós tentamos
identificar indivíduos na nossa amostra que exemplificariam os padrões de adaptação
descritos anteriormente. O foco particular em identificar crianças com
resistência ao estresse implica em dois critérios chave para a seleção de tais
crianças: alta exposição ao estresse e alta competência. Assim, toda criança
que tinha experienciado cinco ou mais eventos de vida e que estavam acima da
média da amostra em pelo menos duas das três medidas de competência na escola
foram selecionadas. Os fatores de risco para cada uma das 23 crianças foram
então examinados para identificar aqueles com o maior risco e o menor risco. O
caso de Sarah exemplifica bem a criança cujas muitas vantagens (isto é, status
de baixo risco) podem tê-la protegido contra circunstâncias de vida muito estressantes,
embora não lhe garantindo “invulnerabilidade”.
Quando sua família
aderiu ao nosso estudo, Sarah estava na quarta série. Ela tinha uma irmã mais
nova e vivia com seus pais biológicos. Naquele ano a mãe de Sarah, que estava
grávida, foi hospitalizada com uma doença progressiva séria. Ela escolheu
postergar o tratamento até ter o bebê nascer, embora isso a colocasse em grande
risco. O bebê, que nasceu após um parto difícil, exigindo uma cesárea de
emergência, tinha sérios problemas médicos que requereram muitas
hospitalizações naquele ano.
O ano anterior também
tinha sido bastante estressante para a família. Os eventos daquele ano
incluíram múltiplas mortes na família estendida, uma breve hospitalização de
Sarah e uma hospitalização do pai por causa de um problema ortopédico.
Apesar de dois anos
consecutivos de continuados eventos estressantes, uma avaliação subsequente de
competência revelou que Sarah estava indo muito bem na escola. Sua média de
pontos era aproximadamente um desvio padrão acima da média. Seu escore em Inquietação
na Sala de Aula, que reflete a extensão do quanto seu professor e seus colegas
de classe a viam como inquieta, agressiva e opositiva na sala de aula, era um
desvio padrão abaixo da média. Seu professor e seus colegas de classe também a
viam como relativamente descomprometida (bem abaixo da média do Comprometido).
Sua reputação com os colegas de classe sugere que naquela época ela era vista
positivamente, mas também isolada e um pouco solitária. De forma parecida, seu
professor a descreveu como bem abaixo da média na escala que media envolvimento
ativo nas atividades em sala de aula. Sarah parecia particularmente não
predisposta a iniciar debates na sala de aula, contar histórias ou trazer
coisas para a aula. Por outro lado, seu professor a descreveu como sendo
persistente, mostrando alta compreensão em aula e disposta a conhecer a matéria
dada. No geral, Sarah parecia estar desinteressada em sala de aula, um pouco
isolada dos outros e talvez autocontida, embora sua competência acadêmica e
compreensão se mantivessem altas. Esse padrão de ajustamento é altamente
consistente com os achados globais para crianças de “baixo risco” com múltiplas
vantagens, mas experienciando alta exposição ao estresse, como apontado na
figura 11.1.
A família de Sarah se
encontrava acima da média para essa amostra em índices de SES e ganhos
salariais. Seu pai era gerente pessoal para uma pequena empresa e sua mãe, com
curso superior, tinha um cargo de meio período em uma biblioteca. Seus pais
possuíam uma casa modesta, onde a família residia desde antes de Sarah nascer.
A casa foi descrita pelo entrevistador do projeto como adequada em todas as
necessidades apresentadas pelas crianças: era limpa e bem organizada. Essa
família foi altamente cotada pelo entrevistador em índices de envolvimento
social e na aceitação de ajuda da família estendida e amigos. Muito marcante no
caso de Sarah era a competência de sua mãe, que impressionou o entrevistador
como sendo uma pessoa marcadamente resiliente.
Os pais de Sarah
receberam um escore alto na amostra no compósito da escala de Qualidade
Parental. Essa família mostrou comunicação clara entre seus membros e um alto
grau de respeito para a opinião dos outros e era muito concentrada nas
crianças. A mãe (cuidadora primária) parecia ser excepcionalmente perceptiva
sobre as necessidades e a personalidade de Sarah e expressava sentimentos
positivos por ela. Desempenho escolar, pensamento livre e habilidade para
conviver com outras pessoas eram todos bastante encorajados por seus pais.
Quando foi pedido aos pais para descreverem o que achavam da educação de sua
filha, eles falaram sobre “autoconfiança... ser capaz de tomar conta de si
mesmo” (pai) e “eu acredito em dialogar com os filhos no mesmo nível. E você
explica o que está acontecendo a eles da melhor forma possível e um dia ela
estará preparada para as muitas diferentes experiências que ela enfrentar” (mãe).
Quando a mãe de Sarah
foi entrevistada, a situação era ainda bastante estressante para a família por
causa de preocupações constantes sobre a condição médica das crianças e o prognóstico
ruim da condição de saúde da mãe. Ela descreve o maior estresse familiar como
sendo o fato deles ainda estarem em “compasso de espera” (“still waiting”). A
mãe estava aberta e falante na entrevista e descreveu de uma forma articulada
seu estilo de lidar (coping) com os estressores em curso. Ela se referia a si
mesma como uma lutadora que tinha se tornado dura pelo que tinha acontecido e
ela era orgulhosa e determinada. Ela tinha feito um esforço determinado para
seguir sua própria vida, mantendo uma rotina tanto quanto possível.
Apesar de seus
contratempos, os membros da família estavam ocupados e envolvidos em muitos
interesses e atividades. Sarah também era encorajada a se manter envolvida e
ativa. A mãe expressou seu ponto de vista de que era importante expor a filha
ao mudo, pois assim ela poderia “conhecer o que há lá fora e não se amedrontar
ou crescer ingênua e ignorante”. Ela ressaltou a independência e a construção
de habilidades em seus filhos: “quanto mais você sabe, mais você cresce”.
O jeito da mãe de Sarah
para lidar com sua própria doença era prático e cauteloso e ainda assim
positivo. Ela era aberta e tranquila com Sarah sobre sua doença porque ela
acreditava em preparar o resto da família ao máximo para isso. Ela descrevia
sua habilidade de saber quando ela poderia manejar alguma coisa ela mesma e
quando ela precisava pedir ajuda da família e dos amigos. Exercícios físicos
como um antídoto para o estresse era também enfatizado. Sarah e sua mãe
regularmente faziam juntas aulas de ginástica. Após a cirurgia sua mãe começou
um regime de exercícios físicos para ganhar força e mobilidade.
A mãe de Sarah
descreveu seu casamento como sendo “tão íntimo quanto antes”. Ela sentia que a
quantidade de eventos que tinha acontecido em sua família os havia ajudado a
conservar uma perspectiva sobre o que era importante e “fez viver tudo o que é
mais valioso”.
Sarah parecia ela mesma
possuir um número razoável de recursos pessoais. Como nossos achados haviam
predito, ela era muito inteligente (mais que um desvio padrão acima da média).
Em muitos verões ela tinha sido enviada para programas de jovens talentos. Em
uma entrevista realizada quando ela tinha 10 anos
Sarah disse que quando
crescesse ela queria ser “uma pessoa que faria pesquisa com dinossauros e
cavaria seus ossos”. Na entrevista ela se mostrou altamente motivada,
articulada, reflexiva, curiosa, academicamente confiante, consciente,
complacente e educada. Ainda mais, Sarah foi avaliada como empática, consciente
de suas emoções e mostrando bom julgamento. Ela também se mostrou um tanto
solitária, embora parecesse possuir as habilidades necessárias para fazer
amigos. Uma amiga íntima de Sarah tinha se mudado no primeiro ano do estudo e
ela expressava o desejo de ter mais amigos e parecia possuir uma explicação
para essas dificuldades com os colegas. Como estudante consciente e preparada,
diferente das outras crianças ainda imaturas, ela comentou: “eu sinto como se
eles não gostassem de mim porque eu tenho todas as respostas”. Apesar de seu
distanciamento social, Sarah se mostrava uma criança cheia de recursos, lidando
de forma bem sucedida com circunstâncias bastante estressantes.
Como parte da
continuidade do estudo, nós recentemente localizamos Sarah, agora adolescente,
e soubemos que sua mãe havia morrido e seu pai tinha sido recorrentemente
hospitalizado por causa de sua deficiência física. Não obstante, indicações
preliminares mostram que Sarah continua se saindo bem. Ela é excelente na
escola, planeja estudar ciências na faculdade, tem vários amigos íntimos e é
ativa em esportes e música. Ela se vê como competente e atraente e uma pessoa
que está satisfeita consigo mesma e com a forma como sua vida está indo.
Sarah fornece um
exemplo que se encaixa na figura que emerge da nossa análise de dados. Ela
parecia ser uma criança resiliente, que tinha muitos recursos e os tinha usado
bem. Mas nós estamos interessados em também olhar para sujeitos que não se
encaixavam tão bem nesse quadro, aqueles cujos padrões de adaptação foram
inesperados. Para identificar tal sujeito, nós examinamos a lista de amostra de
crianças que manifestaram tanto alta exposição ao estresse (cinco ou mais
eventos de vida) quanto alta competência (acima da média em dois ou mais
critérios). Naquela época, contudo, nós procurávamos por crianças que tinham
mantido competência sem a vantagem dos recursos protetores identificados em
nosso banco de dados.
O caso de John mostra
um garoto que estava indo bem apesar de seu alto risco, de seu perfil de alto
estresse. Quando sua família se juntou ao estudo, John estava no quinto ano e
estava vivendo com seu pai. Os dois anos que precederam nosso contato inicial
com John tinham sido extremamente estressantes para ele. Seus pais tinha se
separado fazia alguns anos e seu pai tinha casado novamente. John tinha vivido
com sua mãe, mas ela morreu repentinamente em um acidente de carro. Após isso,
John ficou indo e vindo por um tempo, vivendo com parentes, mas principalmente
viveu ou com seu pai ou com sua tia. O pai de John fora hospitalizado naquele
ano por um acidente de trabalho; ele perdeu seu emprego por causa desse
acidente e entrou no seguro. Durante aquele ano, antes do estudo começar, seu
pai e sua madrasta se separaram por um breve período. Os vales de alimentação
foram cortados e a situação financeira da família, que já era ruim, piorou.
Além disso, a madrasta retornou para casa, engravidou e tinha dado à luz pouco
depois do estudo ter começado.
Apesar dos dois anos
anteriores bastante difíceis, John parecia estar indo muito bem na escola
quando os dados de competência foram colhidos. Seu desempenho e a qualidade do
comprometimento escolar estavam acima da média. O exame dos componentes do
escore Comprometido sugeria que seus colegas o viam positivamente, sem
predisposição para se esconder ou se isolar. Sua professora o avaliou alto em
uma subescala que media cooperação e iniciativa, indicando que ele era particularmente
propenso a iniciar debates na sala de aula, oferecendo-se para fazer coisas
para a professora e procurando pela professora após a aula para conversar. Ele
também foi avaliado como exibindo alta compreensão na sala de aula, mais
propenso a conhecer a matéria quando questionado e extremante capaz de aplicar
o que tinha aprendido em novas situações.
O escore geral de John
em Inquietação na Sala de Aula estava na média. Embora seus colegas não o
avaliassem como inquieto ou agressivo, sua professora o descrevia como um
pouco mais bagunceiro que a média. Ela descrevia John como particularmente mais
propenso a interferir no trabalho de seus colegas de classe, de ser rapidamente
atraído para conversas ou bagunçar com os outros e pela necessidade de ser
repreendido por ela durante a aula. Seus atos sugerem imaturidade de
comportamento e necessidade insatisfeita de atenção, ao invés de padrão mais
agressivo de comportamento.
A família de John caiu
bem abaixo da média dos índices de perfil socioeconômico (SES). Seu pai, com
pouca escolaridade, lia com dificuldade. A família recebeu também uma nota bem
abaixo (dois desvios-padrão abaixo da média) em Qualidade Parental. O pai tinha
muitas queixas sobre a madrasta e sobre a inabilidade dela para cuidar
adequadamente dos filhos. Enquanto que a madrasta brigava constantemente com
John, seu pai parecia ser mais paciente e compreensivo quanto às habilidades e
necessidades das crianças.
John parecia agir como
uma espécie de intérprete para seus pais – eles confiavam nele para explicar
coisas que eles não entendiam. John parecia lidar com essa situação difícil evitando
ficar em casa por muito tempo. Enviado para uma tarefa, geralmente ele não
retornava. John declaradamente passava um bom tempo com uma tia que morava ali
perto.
Quando entrevistado aos
12 anos de idade, John parecia ser uma criança com muitos recursos internos. Sua
habilidade intelectual estava acima da média. Embora parecesse um tanto
deprimido e reservado durante a entrevista, particularmente quando falava da
morte da sua mãe, o entrevistador encontrou um garoto amável e vibrante, com
uma visão positiva de sua vida. Ele raramente falava negativamente ou
criticamente sobre as coisas e aparentava estar bastante feliz consigo mesmo,
orgulhoso de suas conquistas e extremamente autoconfiante. Quando confrontado
com problemas, ele disse que era pouco propenso a se abrir com seus pais,
afirmando que “eu geralmente resolvo os problemas por mim mesmo”. Quando
perguntado sobre o que mais gostava em si mesmo, ele retrucou “meu espírito
esportivo e meu humor”. Ele repetidamente evocava seu bom senso de humor –
afirmando, por exemplo, que ele se dava bem com os outros garotos porque “eu
posso fazer uma piada a qualquer momento”. Quando perguntado o que faz com que
ele se sinta mal ou com raiva, John respondeu “eu não fico mal com facilidade.
Na maior parte do tempo se eu estou numa situação ruim, eu apenas rio dela”.
John foi avaliado como
envolvente e entusiástico em suas atividades. Ele escolheu leitura como sua
atividade favorita e esportes como uma segunda bem próxima. Ele parecia se
sentir competente atleticamente e participava entusiasticamente na prática de
esportes. O entrevistador avaliou-o como muito corajoso e autoconfiante. Ele
descreveu a si mesmo como uma pessoa que se arrisca, afirmando: “perigoso –
isso é provavelmente meu nome do meio”. Embora um tanto indisciplinado, John
aparentava ser capaz de se conscientizar disso e controlar seu comportamento.
Além disso, John foi
avaliado como possuindo considerável insight psicológico e era apaixonante e
empático. Quando ele ganhou dinheiro em um concurso, ele doou uma quantidade
para um fundo de crianças com câncer, porque ele tinha conhecido uma criança
com essa doença. Ele falava frequentemente e com muita afeição sobre seus
primos mais jovens; ele aparentemente tinha responsabilidade por cuidar deles
todo dia depois da escola e nos fins de semana. Ele parecia assumir bem essas
responsabilidades: quando falava sobre suas tarefas, ele explicava que seu pai
queria que ele fizesse as tarefas porque “ele achava que quanto mais eu faço,
mais responsabilidade eu adquiro”. John afirmava que era importante se dar bem
na escola “porque meu pai quer que eu me torne um médico”. Aparentemente ele e
seu pai tinham conversado sobre isso e John planejava ser ou médico ou
advogado.
O caso de John mostra
uma criança com poucos recursos ambientais aparentes e que teve que confiar em
si mesmo e havia descoberto maneiras de fazer isso. Alguém poderia afirmar que o
que John “recebia” do meio ambiente era pobre, mas que o que ele “buscava”
ativamente por sua própria conta proporcionou-lhe uma boa compensação; embora a
terminologia receber-buscar seja nossa, a distinção é essencialmente aquela
proposta por Scarr e McCartney (1903) entre meios ambientes “ativos” e
“passivos”. Provavelmente outro adulto, talvez sua tia, proveu-lhe com alguma
parentalidade que lhe faltava. Seu pai também pode ter fornecido uma fonte de
recursos durável, apesar de suas outras limitações. Seu pai impressionou um
recente entrevistador como sendo extremamente orgulhoso de John e suas
conquistas.
Seja qual fossem seus recursos ambientais, contudo, John tinha
claramente múltiplos recursos internos que promoveram sua resiliência. Além
disso, contatos recentes com John, que está agora no ensino médio (high
school), confirmaram sua competência contínua. Embora suas notas estejam bem na
média, ele ainda planeja fazer faculdade de medicina ou direito. Ele tem muitos
amigos, está envolvido com atividades esportivas e levantamento de pesos e
realiza atividades num clube local para jovens, onde ele recentemente assumiu
um emprego de meio período supervisionando atividades para crianças. Ele parece
se sentir atraente, competente em muitas áreas e feliz com a maneira como sua
vida está indo. Alguém poderia caracterizar a adaptação de John como
“emocional-positiva”, que é a característica de alguém disposto temperalmente a
reagir positivamente a seu meio ambiente, mas também disposto a gerar encontros
e experiências que engendrem um sentido de domínio e bem-estar.
Conclusões
e implicações para uma future agenda de psicopatologia do desenvolvimento
O que pode ser concluído
desse projeto sobre estresse e adaptação? Primeiro, nós reconhecemos que a pesquisa
sobre processos protetores é complexa. Nós supomos que não existe uma
“imunidade” geral para o estresse. Em vez disso, deve haver diferentes padrões
de resposta ao estresse que são mais ou menos adaptativos, dependendo do
contexto, das circunstâncias e do estágio de desenvolvimento da criança. Por
exemplo, pode haver um padrão internalizado
de resposta ao estresse (descomprometido, mas não disruptivo) que é mais comum
nas garotas, como exemplificado por Sarah, e mais aceitável por professores e
colegas de classe que outros padrões no contexto do ensino fundamental. Se de
pouca duração, esse padrão pode ser adaptativo, ou pelo menos sem consequências
adversas. Se duradouro ou extremo esse padrão pode estar associado com
vulnerabilidade para transtornos de afeto ou ansiedade, particularmente tardios
durante a adolescência.
Pode haver também um
padrão externalizado de resposta ao
estresse (descomprometido e disruptivo) que é mais comum em garotos e mais
aversivo tanto para professores quanto para os colegas no ensino fundamental.
Esse padrão parece ser mal adaptativo no contexto escolar. Em casos extremos ou
persistentes, nós suporíamos que seria muito danoso para o desenvolvimento e
para a integração social. É concebível, porém, que em outras subculturas ou
circunstâncias, esse padrão em formas menos extremas pode ser aceitável e até
adaptativo.
Crianças competentes
parecem ter mais recursos disponíveis. Alguns são previsíveis e poder ser
observados e documentados empiricamente (em parte porque são quantificáveis). Exemplos
seriam QI e alta qualidade parental, como no caso de Sarah. Recursos como esses
tendem a ocorrer de forma conjunta. Outros importantes recursos, contudo, podem
ser mais idiossincráticos ou mais difíceis de detectar por outras razões. O
papel exercido pela aparente habilidade de John para se apoiar efetivamente nos
adultos fora de sua casa e seu humor seriam difíceis de discernir na análise de
dados agregados.
Dada a multiplicidade e
renovabilidade dos recursos das crianças competentes, nós esperamos que essa
competência em si mesma possa ser o melhor preditor de competência futura, a
menos que as circunstâncias mudem drasticamente. Além do mais, é esperado que
crianças competentes sejam mais resilientes face a estressores agudos e se
recuperem bem de quaisquer dificuldades emocionais ou comportamentais que
experimentem. Competência pode refletir, em parte, a capacidade para
resiliência, porque no sentido de que para atingir competência na meia
infância, as crianças deveriam ter domínio, talvez de forma excelente, sobre as
mudanças normais da primeira infância, como a entrada na escola.
Muitas das questões
propostas por esse estudo apontam para itens de uma agenda futura de pesquisa
em psicopatologia do desenvolvimento:
1-
Padrões replicáveis de adaptação a
estressores podem ser identificados na variação de sexo, habilidades
cognitivas, variáveis familiares e idade? Nossos achados requerem validação e
extensão cruzadas. Será importante que tomemos estudos longitudinais de
competência intensivos e de curta duração antes, durante e após a ocorrência de
estressores agudos no sentido de determinar se esses padrões realmente refletem
respostas à exposição ao estresse.
2-
Tais padrões são consistentes através de
diferentes tipos de estressores? Por exemplo, uma literatura diversa sobre
estressores na infância sugere que garotos tendem a serem mais disruptivos como
consequência de experiências estressantes (Emery, 1982; Garmezy & Rutter,
1985). Contudo, a heterogeneidade dos sujeitos é confundida em muitos estudos
com uma heterogeneidade dos estressores, como no Projeto Competência. Até mesmo
em estudos de “estressores únicos” (estudos com crianças de pais divorciados,
crianças com doença ameaçadora, etc), variações inevitáveis ocorrem nos perfis
dos estressores vitais dentro de uma dada amostra que poderiam constituir
modificadores contextuais críticos do estressor primário de interesse. Um
estudo posterior é necessário para determinar se uma dada resposta da criança a
estressores tão diversos como a dissolução da família, dificuldades econômicas
e doenças ameaçadoras são mais semelhantes que diferentes.
.
Que forma os padrões de adaptação vão assumindo com o passar do tempo? Poderia
haver diferentes funções de recuperação
para crianças com diferentes
combinações de recursos e fatores de
risco, bem como para diferentes tipos de
estressores.
.
Presumindo que padrões de adaptação refletem processos de desenvolvimento em
andamento, grandes mudanças podem
ocorrer na forma de respostas ao estresse
durante períodos de transição de
desenvolvimento, como a puberdade?
.
Há uma continuidade nos padrões de adaptação através do desenvolvimento?
.
Como os padrões de resposta ao estresse estão relacionados com sintomas,
referência clínica, categorias de
diagnóstico ou outros sistemas toxonométricos?
Pode-se esperar que uma criança com
baixos recursos com estressores agudos se
torne disruptiva no alto de um desinteresse
já manifesto na escola e com baixo
aproveitamento. Esta combinação é propensa
a um final precipitado.
. Pode-se perguntar também se sintomas
somáticos são mais esperados de ocorrer em
crianças que respondem a alta exposição
ao estresse com desinteresse, mas não
disruptividade, no que parece ser um
padrão de internalização.
Esses
inquéritos, ultimamente, podem ser postos em termos amplos: quais são as
relações entre psicopatologia, competência, risco e fatores de proteção,
padrões de adaptação e diferenças individuais em crianças em qualquer idade?
Respostas para essa questão em todas as suas manifestações – a busca por maior
compreensão do processo de adaptação – podem apenas servir para aumentar nossos
esforços para ajudar crianças em dificuldade.
Compreender
a competência, particularmente competência sob adversidade, podem guiar
esforços para promover adaptação. Por exemplo, investigações diversas nos
últimos vinte anos identificaram muitas das habilidades latentes e
comportamentos correlatos de competência social em crianças. Esses achados tem
sido traduzidos numa variedade de programas de treinos de habilidades sociais
(SST = social skills training) que geraram considerável interesse e entusiasmo
nos últimos anos. Considerando que alguns desses programas SST focam em
componentes comportamentais específicos do comportamento social efetivo (Oden
& Asher, 1977), outros enfatizam o desenvolvimento de habilidades
cognitivas sociais que são presumidas serem mais “genéricas” à adaptação social
(Shure & Spivack, 1979). Avaliações sistemáticas da efetividade da
abordagem dessas duas formas do programa tem sido largamente limitadas para
esforços de prevenção secundária com crianças que apresentam sinais de inadequado
ajustamento social emergente, como comportamento social agressivo e disruptivo,
isolamento social e rejeição dos colegas, com um olhar sobre a origem dessas
dificuldades [por exemplo, o programa Hahneman (Spivack, Platt, & Shure,
1976) e o Programa para o Desenvolvimento de Habilidades Sociais (Cincinnati
Social Skills Development Program) (Kirschenbaum, 1979)]. A viabilidade de STT
para prevenção primária tem ainda que ser demonstrada de forma convincente (Durlak,
1985; Pellegrini & Urbain, 1985).
Não
obstante, programas STT carregam considerável promessa para prevenção de
desenvolvimento do comportamento social mal adaptado que pode surgir como
consequência eventos estressantes inevitáveis. Crianças podem ser identificadas
para inclusão em programas STT baseado na experiência de eventos de vida
direcionados (exemplo, divórcio dos pais), o oposto de serem selecionadas após
comportamentos sociais mal adaptados terem emergido (juntamente com outras
crianças cujo comportamento pode ser mais resistente a mudanças como resultado
de mais distantes, mais complexas e mais profundas origens). O conteúdo de tal
treinamento seria adaptado para aumentar o desenvolvimento de habilidades
sociais pertinentes ao estressor de interesse (exemplo, em crianças de pais
divorciados, como negociar com os pais os horários preferidos de visita, como
resolver os conflitos com os meio-irmãos, etc).
De
forma semelhante, o conceito de “treino de inoculação do estresse” (“stress
inoculation training”) ganhou popularidade. A ideia por trás desse programa é
prover doses graduais e manejáveis de estresse que o indivíduo pode dominar,
ganhando experiência e confiança em lidar com estresse, que facilitarão uma
futura adaptação. Um método desenvolvido por Meichenbaum e colegas
(Meichenbaum, 1977, 1985) inclui educação sobre a natureza do estresse, análise
da resposta do cliente ao estresse, treino de habilidades de enfrentamento
tirados em grande parte do arsenal terapêutico cognitivo-comportamental, da prática
e do treino de “reforço” (“booster”). Ayalon (1983) desenvolveu uma intervenção
similar chamada Comunidade Orientada na Preparação para Emergência (COPE = Community
Oriented Preparation for Emergency), para preparar melhor crianças israelenses
para a possibilidade de terrorismo. Através desse programa, a crianças escolarizadas são ensinadas
habilidades cognitivas gerais de enfrentamento, a aprender a falar das emoções
e são encorajadas a responder ao estresse com ação. Ambos os programas de
inoculação do estresse enfatizam o desenvolvimento de habilidades genéricas de
enfrentamento.
Essas
intervenções presumem que recursos efetivos podem ser melhorados, ou expandindo
o repertório de recursos ou aprendendo a usar mais efetivamente aqueles
recursos que já estão prontamente disponíveis. Como uma espécie que se adapta,
nós desenvolvemos uma miríade de estratégias de enfrentamento (coping). A
adaptação é indubitavelmente o resultado de muitos atributos operando, embora
diferentes áreas do funcionamento possam requerer diferentes combinações de
recursos. Segue-se que intervenções focando em um único recurso, único
atributo, um único estilo cognitivo, uma única habilidade social podem não
mostrar grandes mudanças no funcionamento através das situações.
Em
conexão com conceitos contrastantes como STT e inoculação do estresse, pode ser
importante distinguir entre qualidades pessoais, experiências ou tratamentos
orientados para aperfeiçoar experiências positivas
de bem estar e auto eficácia e aquelas relacionadas para minimizar experiências
negativas de estresse e
desorganização. O manejo de prazer e distresse pode não envolver muitos opostos
extremos de uma única dimensão adaptativa, mas diferentes dimensões, se houver
interação, que requerem seus próprios constructos distintos de temperamento, input
ambiental, desenvolvimento e intervenção (Tellegen, 1985).
Nosso
trabalho também enfatiza que a consideração de diferenças individuais será
importante ao se planejar intervenções. Aqueles programas de prevenção
projetados com vistas a melhorar a capacidade de adaptação aos estressores
devem levar em conta que diferenças de sexo e de recursos pessoais e ambientais
podem muito bem ter um papel nas necessidades de diferentes crianças.
Estudos
de adaptação para estressores específicos tem o potencial de identificar
estratégias particulares mais efetivas para o enfrentamento de um dado
estressor. Aqui novamente, contudo, crianças que enfrentam ostensivamente o
mesmo estressor podem ter diferentes padrões de resposta dependentes de suas
características e recursos individuais. Uma garota brilhante, exitosa, mas
solitária que está se ajustando ao divórcio dos pais não tem as mesmas
necessidades que um garoto rejeitado pelos colegas, agressivo e com problemas
de aprendizagem que está numa situação parecida.
Bons
clínicos indubitavelmente já tem ajustado suas intervenções em casos únicos de
acordo com os recursos pessoais e ambientais da criança, assim como de acordo
com sua compreensão do desenvolvimento normal, má adaptação e estresse. Um
objetivo para nosso estudo e estudos parecidos é conseguir maior conhecimento
para aquele processo em que o tratamento de má adaptação possa ser mais
sistematicamente correspondido à criança e assim avaliado mais efetivamente.
Reciprocamente, o clínico informado, experto em analisar casos únicos, pode
oferecer percepções de pesquisadores sobre o processo de estresse e de
adaptação que podem coloca-los em trilhas negligenciadas de exploração empírica
(Garmezy & Masten, 1986).
Este
estudo começou como uma expedição a um grande e desconhecido território, guiado
por Norman Garmezy. Nossa metodologia evoluiu conforme aprendemos um pouco
sobre competência e suas relações com a exposição ao estresse. Talvez mais
importante, nós aprendemos como elaborar melhores questões nessa área complexa.
Nós continuamos convencidos que o estudo de aspectos positivos da adaptação,
incluindo competência, fatores de proteção e resiliência é uma parte necessária
da base do conhecimento para o qual nós devemos contribuir se quisermos
aumentar a prevenção e o tratamento de transtornos, bem como a educação das
crianças.
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