Por mais de duas décadas na Universidade de
Minnesota, Garmezy tem traduzido seu interesse em respostas positivas para
condições de alto risco dentro de um programa de pesquisa que tem compreendido
uma variedade de estudos sob a rubrica de “Projeto Competência”. Esses estudos
de adaptação tem focado em amostras normativas, assim como em amostras de alto
risco, incluindo crianças em risco por má adaptação por causa de fatores como doença
mental de um dos pais, deficiência física (Raison, 1982; Silverstein, 1982) e
defeitos congênitos potencialmente fatais. Comum a todos esses diversos estudos
tem sido o foco na competência, corrigindo negações tradicionais de
psicopatologistas quanto à adaptação bem sucedida sob condições adversas (Garmezy,
1981; Garmezy & Devine, 1984; Garmezy & Tellegen, 1984).
Os estudos com crianças do Projeto Competência foram
uma consequência natural dos estudos anteriores de Garmezy sobre adultos
esquizofrênicos, que o levaram ao interesse por competência antes do
adoecimento (Garmezy & Rodnick, 1959) e então ao estudo da adaptação em
crianças em risco para esquizofrenia (Garmezy, 1970, 1971). Garmezy participou
de um consórcio de pesquisadores sobre risco que empreenderam a primeira
geração de estudos sobre alto risco para psicopatologia, seguindo o exemplo
anterior de Fish, Mednick e Schulsinger ao estudar descendentes de pais esquizofrênicos
(Garmezy, 1974c,d).
EVENTOS
DE VIDA ESTRESSANTES
Figura 11.1. A relação entre o número de eventos de vida
estressantes e competência é mostrada como uma função de risco. Garotos e
garotas são mostrados separadamente. As quatro variáveis somadas dentro do
índice risco versus recursos foram SES, QI, Qualidade Parental e Sociabilidade
Familiar. Baixo risco foi definido como o terço superior da distribuição dos
recursos combinados (isto é, possuindo muitas vantagens), com alto risco sendo
o terço inferior.
Essas figuras sugerem
que o status de risco definido nesse estudo estava altamente relacionado à
competência escolar, particularmente para comprometimento positivo na sala de
aula e desempenho acadêmico. Os dados sugerem que as relações dos eventos de
vida com competência podem diferir não apenas como uma função de status de
risco, mas também concordando com o critério de competência e o sexo da criança.
Garotos de alto risco pareciam ser mais descomprometidos na escola que garotas
de alto risco. Sob baixo estresse, crianças de alto risco de ambos os sexos
eram relativamente mais descomprometidos, menos empenhados e mais inquietos
que aqueles colegas de classe de baixo risco.
Com exposição a alto risco,
crianças de alto risco pareciam se tornar mais inquietos, embora o nível de seu comprometimento na escola não variasse
muito com exposição ao estresse. Para crianças com baixo risco/com vantagem
(low-risk/advantage), o comprometimento pareceu diminuir como uma função de
exposição ao estresse, mas apenas garotos mostraram altos níveis de Inquietação no
contexto de alta exposição ao estresse; as garotas mostraram baixos níveis de inquietação
mesmo quando a exposição ao estresse foi alta. As notas escolares não variaram
significantemente como uma função de eventos negativos da vida, embora eles
pareçam ter sido uma tendência para o desempenho declinar um pouco em garotos
com vantagens em altos níveis de estresse.
A
abordagem de um único caso: aprendendo de exemplos e exceções
Esses potenciais
padrões de adaptação, baseados em análises de tendências grupais, se
distanciaram das crianças avaliadas individualmente. Embora seja crucial para o
avanço de nossa ciência generalizar através de um caso único, estudos intensos
de casos únicos podem enriquecer nossa compreensão dos resultados estatísticos
e auxiliar em nossa busca por pistas sobre quais consequências podem ter sido
“não previstas”. Exemplos e exceções de um único caso para prever padrões de
dados podem ser ambos informativos. O “caso para o caso único” foi bem
estabelecido por Garmezy (1982).
Portanto, nós tentamos
identificar indivíduos na nossa amostra que exemplificariam os padrões de adaptação
descritos anteriormente. O foco particular em identificar crianças com
resistência ao estresse implica em dois critérios chave para a seleção de tais
crianças: alta exposição ao estresse e alta competência. Assim, toda criança
que tinha experienciado cinco ou mais eventos de vida e que estavam acima da
média da amostra em pelo menos duas das três medidas de competência na escola
foram selecionadas. Os fatores de risco para cada uma das 23 crianças foram
então examinados para identificar aqueles com o maior risco e o menor risco. O
caso de Sarah exemplifica bem a criança cujas muitas vantagens (isto é, status
de baixo risco) podem tê-la protegido contra circunstâncias de vida muito estressantes,
embora não lhe garantindo “invulnerabilidade”.
Quando sua família
aderiu ao nosso estudo, Sarah estava na quarta série. Ela tinha uma irmã mais
nova e vivia com seus pais biológicos. Naquele ano a mãe de Sarah, que estava
grávida, foi hospitalizada com uma doença progressiva séria. Ela escolheu
postergar o tratamento até ter o bebê nascer, embora isso a colocasse em grande
risco. O bebê, que nasceu após um parto difícil, exigindo uma cesárea de
emergência, tinha sérios problemas médicos que requereram muitas
hospitalizações naquele ano.
O ano anterior também
tinha sido bastante estressante para a família. Os eventos daquele ano
incluíram múltiplas mortes na família estendida, uma breve hospitalização de
Sarah e uma hospitalização do pai por causa de um problema ortopédico.
Apesar de dois anos
consecutivos de continuados eventos estressantes, uma avaliação subsequente de
competência revelou que Sarah estava indo muito bem na escola. Sua média de
pontos era aproximadamente um desvio padrão acima da média. Seu escore em Inquietação
na Sala de Aula, que reflete a extensão do quanto seu professor e seus colegas
de classe a viam como inquieta, agressiva e opositiva na sala de aula, era um
desvio padrão abaixo da média. Seu professor e seus colegas de classe também a
viam como relativamente descomprometida (bem abaixo da média do Comprometido).
Sua reputação com os colegas de classe sugere que naquela época ela era vista
positivamente, mas também isolada e um pouco solitária. De forma parecida, seu
professor a descreveu como bem abaixo da média na escala que media envolvimento
ativo nas atividades em sala de aula. Sarah parecia particularmente não
predisposta a iniciar debates na sala de aula, contar histórias ou trazer
coisas para a aula. Por outro lado, seu professor a descreveu como sendo
persistente, mostrando alta compreensão em aula e disposta a conhecer a matéria
dada. No geral, Sarah parecia estar desinteressada em sala de aula, um pouco
isolada dos outros e talvez autocontida, embora sua competência acadêmica e
compreensão se mantivessem altas. Esse padrão de ajustamento é altamente
consistente com os achados globais para crianças de “baixo risco” com múltiplas
vantagens, mas experienciando alta exposição ao estresse, como apontado na
figura 11.1.
A família de Sarah se
encontrava acima da média para essa amostra em índices de SES e ganhos
salariais. Seu pai era gerente pessoal para uma pequena empresa e sua mãe, com
curso superior, tinha um cargo de meio período em uma biblioteca. Seus pais
possuíam uma casa modesta, onde a família residia desde antes de Sarah nascer.
A casa foi descrita pelo entrevistador do projeto como adequada em todas as
necessidades apresentadas pelas crianças: era limpa e bem organizada. Essa
família foi altamente cotada pelo entrevistador em índices de envolvimento
social e na aceitação de ajuda da família estendida e amigos. Muito marcante no
caso de Sarah era a competência de sua mãe, que impressionou o entrevistador
como sendo uma pessoa marcadamente resiliente.
Os pais de Sarah
receberam um escore alto na amostra no compósito da escala de Qualidade
Parental. Essa família mostrou comunicação clara entre seus membros e um alto
grau de respeito para a opinião dos outros e era muito concentrada nas
crianças. A mãe (cuidadora primária) parecia ser excepcionalmente perceptiva
sobre as necessidades e a personalidade de Sarah e expressava sentimentos
positivos por ela. Desempenho escolar, pensamento livre e habilidade para
conviver com outras pessoas eram todos bastante encorajados por seus pais.
Quando foi pedido aos pais para descreverem o que achavam da educação de sua
filha, eles falaram sobre “autoconfiança... ser capaz de tomar conta de si
mesmo” (pai) e “eu acredito em dialogar com os filhos no mesmo nível. E você
explica o que está acontecendo a eles da melhor forma possível e um dia ela
estará preparada para as muitas diferentes experiências que ela enfrentar” (mãe).
Quando a mãe de Sarah
foi entrevistada, a situação era ainda bastante estressante para a família por
causa de preocupações constantes sobre a condição médica das crianças e o prognóstico
ruim da condição de saúde da mãe. Ela descreve o maior estresse familiar como
sendo o fato deles ainda estarem em “compasso de espera” (“still waiting”). A
mãe estava aberta e falante na entrevista e descreveu de uma forma articulada
seu estilo de lidar (coping) com os estressores em curso. Ela se referia a si
mesma como uma lutadora que tinha se tornado dura pelo que tinha acontecido e
ela era orgulhosa e determinada. Ela tinha feito um esforço determinado para
seguir sua própria vida, mantendo uma rotina tanto quanto possível.
Apesar de seus
contratempos, os membros da família estavam ocupados e envolvidos em muitos
interesses e atividades. Sarah também era encorajada a se manter envolvida e
ativa. A mãe expressou seu ponto de vista de que era importante expor a filha
ao mudo, pois assim ela poderia “conhecer o que há lá fora e não se amedrontar
ou crescer ingênua e ignorante”. Ela ressaltou a independência e a construção
de habilidades em seus filhos: “quanto mais você sabe, mais você cresce”.
O jeito da mãe de Sarah
para lidar com sua própria doença era prático e cauteloso e ainda assim
positivo. Ela era aberta e tranquila com Sarah sobre sua doença porque ela
acreditava em preparar o resto da família ao máximo para isso. Ela descrevia
sua habilidade de saber quando ela poderia manejar alguma coisa ela mesma e
quando ela precisava pedir ajuda da família e dos amigos. Exercícios físicos
como um antídoto para o estresse era também enfatizado. Sarah e sua mãe
regularmente faziam juntas aulas de ginástica. Após a cirurgia sua mãe começou
um regime de exercícios físicos para ganhar força e mobilidade.
A mãe de Sarah
descreveu seu casamento como sendo “tão íntimo quanto antes”. Ela sentia que a
quantidade de eventos que tinha acontecido em sua família os havia ajudado a
conservar uma perspectiva sobre o que era importante e “fez viver tudo o que é
mais valioso”.
Sarah parecia ela mesma
possuir um número razoável de recursos pessoais. Como nossos achados haviam
predito, ela era muito inteligente (mais que um desvio padrão acima da média).
Em muitos verões ela tinha sido enviada para programas de jovens talentos. Em
uma entrevista realizada quando ela tinha 10 anos
Sarah disse que quando
crescesse ela queria ser “uma pessoa que faria pesquisa com dinossauros e
cavaria seus ossos”. Na entrevista ela se mostrou altamente motivada,
articulada, reflexiva, curiosa, academicamente confiante, consciente,
complacente e educada. Ainda mais, Sarah foi avaliada como empática, consciente
de suas emoções e mostrando bom julgamento. Ela também se mostrou um tanto
solitária, embora parecesse possuir as habilidades necessárias para fazer
amigos. Uma amiga íntima de Sarah tinha se mudado no primeiro ano do estudo e
ela expressava o desejo de ter mais amigos e parecia possuir uma explicação
para essas dificuldades com os colegas. Como estudante consciente e preparada,
diferente das outras crianças ainda imaturas, ela comentou: “eu sinto como se
eles não gostassem de mim porque eu tenho todas as respostas”. Apesar de seu
distanciamento social, Sarah se mostrava uma criança cheia de recursos, lidando
de forma bem sucedida com circunstâncias bastante estressantes.
Como parte da
continuidade do estudo, nós recentemente localizamos Sarah, agora adolescente,
e soubemos que sua mãe havia morrido e seu pai tinha sido recorrentemente
hospitalizado por causa de sua deficiência física. Não obstante, indicações
preliminares mostram que Sarah continua se saindo bem. Ela é excelente na
escola, planeja estudar ciências na faculdade, tem vários amigos íntimos e é
ativa em esportes e música. Ela se vê como competente e atraente e uma pessoa
que está satisfeita consigo mesma e com a forma como sua vida está indo.
Sarah fornece um
exemplo que se encaixa na figura que emerge da nossa análise de dados. Ela
parecia ser uma criança resiliente, que tinha muitos recursos e os tinha usado
bem. Mas nós estamos interessados em também olhar para sujeitos que não se
encaixavam tão bem nesse quadro, aqueles cujos padrões de adaptação foram
inesperados. Para identificar tal sujeito, nós examinamos a lista de amostra de
crianças que manifestaram tanto alta exposição ao estresse (cinco ou mais
eventos de vida) quanto alta competência (acima da média em dois ou mais
critérios). Naquela época, contudo, nós procurávamos por crianças que tinham
mantido competência sem a vantagem dos recursos protetores identificados em
nosso banco de dados.
O caso de John mostra
um garoto que estava indo bem apesar de seu alto risco, de seu perfil de alto
estresse. Quando sua família se juntou ao estudo, John estava no quinto ano e
estava vivendo com seu pai. Os dois anos que precederam nosso contato inicial
com John tinham sido extremamente estressantes para ele. Seus pais tinha se
separado fazia alguns anos e seu pai tinha casado novamente. John tinha vivido
com sua mãe, mas ela morreu repentinamente em um acidente de carro. Após isso,
John ficou indo e vindo por um tempo, vivendo com parentes, mas principalmente
viveu ou com seu pai ou com sua tia. O pai de John fora hospitalizado naquele
ano por um acidente de trabalho; ele perdeu seu emprego por causa desse
acidente e entrou no seguro. Durante aquele ano, antes do estudo começar, seu
pai e sua madrasta se separaram por um breve período. Os vales de alimentação
foram cortados e a situação financeira da família, que já era ruim, piorou.
Além disso, a madrasta retornou para casa, engravidou e tinha dado à luz pouco
depois do estudo ter começado.
Apesar dos dois anos
anteriores bastante difíceis, John parecia estar indo muito bem na escola
quando os dados de competência foram colhidos. Seu desempenho e a qualidade do
comprometimento escolar estavam acima da média. O exame dos componentes do
escore Comprometido sugeria que seus colegas o viam positivamente, sem
predisposição para se esconder ou se isolar. Sua professora o avaliou alto em
uma subescala que media cooperação e iniciativa, indicando que ele era particularmente
propenso a iniciar debates na sala de aula, oferecendo-se para fazer coisas
para a professora e procurando pela professora após a aula para conversar. Ele
também foi avaliado como exibindo alta compreensão na sala de aula, mais
propenso a conhecer a matéria quando questionado e extremante capaz de aplicar
o que tinha aprendido em novas situações.
O escore geral de John
em Inquietação na Sala de Aula estava na média. Embora seus colegas não o
avaliassem como inquieto ou agressivo, sua professora o descrevia como um
pouco mais bagunceiro que a média. Ela descrevia John como particularmente mais
propenso a interferir no trabalho de seus colegas de classe, de ser rapidamente
atraído para conversas ou bagunçar com os outros e pela necessidade de ser
repreendido por ela durante a aula. Seus atos sugerem imaturidade de
comportamento e necessidade insatisfeita de atenção, ao invés de padrão mais
agressivo de comportamento.
A família de John caiu
bem abaixo da média dos índices de perfil socioeconômico (SES). Seu pai, com
pouca escolaridade, lia com dificuldade. A família recebeu também uma nota bem
abaixo (dois desvios-padrão abaixo da média) em Qualidade Parental. O pai tinha
muitas queixas sobre a madrasta e sobre a inabilidade dela para cuidar
adequadamente dos filhos. Enquanto que a madrasta brigava constantemente com
John, seu pai parecia ser mais paciente e compreensivo quanto às habilidades e
necessidades das crianças.
John parecia agir como
uma espécie de intérprete para seus pais – eles confiavam nele para explicar
coisas que eles não entendiam. John parecia lidar com essa situação difícil evitando
ficar em casa por muito tempo. Enviado para uma tarefa, geralmente ele não
retornava. John declaradamente passava um bom tempo com uma tia que morava ali
perto.
Quando entrevistado aos
12 anos de idade, John parecia ser uma criança com muitos recursos internos. Sua
habilidade intelectual estava acima da média. Embora parecesse um tanto
deprimido e reservado durante a entrevista, particularmente quando falava da
morte da sua mãe, o entrevistador encontrou um garoto amável e vibrante, com
uma visão positiva de sua vida. Ele raramente falava negativamente ou
criticamente sobre as coisas e aparentava estar bastante feliz consigo mesmo,
orgulhoso de suas conquistas e extremamente autoconfiante. Quando confrontado
com problemas, ele disse que era pouco propenso a se abrir com seus pais,
afirmando que “eu geralmente resolvo os problemas por mim mesmo”. Quando
perguntado sobre o que mais gostava em si mesmo, ele retrucou “meu espírito
esportivo e meu humor”. Ele repetidamente evocava seu bom senso de humor –
afirmando, por exemplo, que ele se dava bem com os outros garotos porque “eu
posso fazer uma piada a qualquer momento”. Quando perguntado o que faz com que
ele se sinta mal ou com raiva, John respondeu “eu não fico mal com facilidade.
Na maior parte do tempo se eu estou numa situação ruim, eu apenas rio dela”.
John foi avaliado como
envolvente e entusiástico em suas atividades. Ele escolheu leitura como sua
atividade favorita e esportes como uma segunda bem próxima. Ele parecia se
sentir competente atleticamente e participava entusiasticamente na prática de
esportes. O entrevistador avaliou-o como muito corajoso e autoconfiante. Ele
descreveu a si mesmo como uma pessoa que se arrisca, afirmando: “perigoso –
isso é provavelmente meu nome do meio”. Embora um tanto indisciplinado, John
aparentava ser capaz de se conscientizar disso e controlar seu comportamento.
Além disso, John foi
avaliado como possuindo considerável insight psicológico e era apaixonante e
empático. Quando ele ganhou dinheiro em um concurso, ele doou uma quantidade
para um fundo de crianças com câncer, porque ele tinha conhecido uma criança
com essa doença. Ele falava frequentemente e com muita afeição sobre seus
primos mais jovens; ele aparentemente tinha responsabilidade por cuidar deles
todo dia depois da escola e nos fins de semana. Ele parecia assumir bem essas
responsabilidades: quando falava sobre suas tarefas, ele explicava que seu pai
queria que ele fizesse as tarefas porque “ele achava que quanto mais eu faço,
mais responsabilidade eu adquiro”. John afirmava que era importante se dar bem
na escola “porque meu pai quer que eu me torne um médico”. Aparentemente ele e
seu pai tinham conversado sobre isso e John planejava ser ou médico ou
advogado.
O caso de John mostra
uma criança com poucos recursos ambientais aparentes e que teve que confiar em
si mesmo e havia descoberto maneiras de fazer isso. Alguém poderia afirmar que o
que John “recebia” do meio ambiente era pobre, mas que o que ele “buscava”
ativamente por sua própria conta proporcionou-lhe uma boa compensação; embora a
terminologia receber-buscar seja nossa, a distinção é essencialmente aquela
proposta por Scarr e McCartney (1903) entre meios ambientes “ativos” e
“passivos”. Provavelmente outro adulto, talvez sua tia, proveu-lhe com alguma
parentalidade que lhe faltava. Seu pai também pode ter fornecido uma fonte de
recursos durável, apesar de suas outras limitações. Seu pai impressionou um
recente entrevistador como sendo extremamente orgulhoso de John e suas
conquistas.
Seja qual fossem seus recursos ambientais, contudo, John tinha
claramente múltiplos recursos internos que promoveram sua resiliência. Além
disso, contatos recentes com John, que está agora no ensino médio (high
school), confirmaram sua competência contínua. Embora suas notas estejam bem na
média, ele ainda planeja fazer faculdade de medicina ou direito. Ele tem muitos
amigos, está envolvido com atividades esportivas e levantamento de pesos e
realiza atividades num clube local para jovens, onde ele recentemente assumiu
um emprego de meio período supervisionando atividades para crianças. Ele parece
se sentir atraente, competente em muitas áreas e feliz com a maneira como sua
vida está indo. Alguém poderia caracterizar a adaptação de John como
“emocional-positiva”, que é a característica de alguém disposto temperalmente a
reagir positivamente a seu meio ambiente, mas também disposto a gerar encontros
e experiências que engendrem um sentido de domínio e bem-estar.
Conclusões
e implicações para uma future agenda de psicopatologia do desenvolvimento
O que pode ser concluído
desse projeto sobre estresse e adaptação? Primeiro, nós reconhecemos que a pesquisa
sobre processos protetores é complexa. Nós supomos que não existe uma
“imunidade” geral para o estresse. Em vez disso, deve haver diferentes padrões
de resposta ao estresse que são mais ou menos adaptativos, dependendo do
contexto, das circunstâncias e do estágio de desenvolvimento da criança. Por
exemplo, pode haver um padrão internalizado
de resposta ao estresse (descomprometido, mas não disruptivo) que é mais comum
nas garotas, como exemplificado por Sarah, e mais aceitável por professores e
colegas de classe que outros padrões no contexto do ensino fundamental. Se de
pouca duração, esse padrão pode ser adaptativo, ou pelo menos sem consequências
adversas. Se duradouro ou extremo esse padrão pode estar associado com
vulnerabilidade para transtornos de afeto ou ansiedade, particularmente tardios
durante a adolescência.
Pode haver também um
padrão externalizado de resposta ao
estresse (descomprometido e disruptivo) que é mais comum em garotos e mais
aversivo tanto para professores quanto para os colegas no ensino fundamental.
Esse padrão parece ser mal adaptativo no contexto escolar. Em casos extremos ou
persistentes, nós suporíamos que seria muito danoso para o desenvolvimento e
para a integração social. É concebível, porém, que em outras subculturas ou
circunstâncias, esse padrão em formas menos extremas pode ser aceitável e até
adaptativo.
Crianças competentes
parecem ter mais recursos disponíveis. Alguns são previsíveis e poder ser
observados e documentados empiricamente (em parte porque são quantificáveis). Exemplos
seriam QI e alta qualidade parental, como no caso de Sarah. Recursos como esses
tendem a ocorrer de forma conjunta. Outros importantes recursos, contudo, podem
ser mais idiossincráticos ou mais difíceis de detectar por outras razões. O
papel exercido pela aparente habilidade de John para se apoiar efetivamente nos
adultos fora de sua casa e seu humor seriam difíceis de discernir na análise de
dados agregados.
Dada a multiplicidade e
renovabilidade dos recursos das crianças competentes, nós esperamos que essa
competência em si mesma possa ser o melhor preditor de competência futura, a
menos que as circunstâncias mudem drasticamente. Além do mais, é esperado que
crianças competentes sejam mais resilientes face a estressores agudos e se
recuperem bem de quaisquer dificuldades emocionais ou comportamentais que
experimentem. Competência pode refletir, em parte, a capacidade para
resiliência, porque no sentido de que para atingir competência na meia
infância, as crianças deveriam ter domínio, talvez de forma excelente, sobre as
mudanças normais da primeira infância, como a entrada na escola.
Muitas das questões
propostas por esse estudo apontam para itens de uma agenda futura de pesquisa
em psicopatologia do desenvolvimento:
1-
Padrões replicáveis de adaptação a
estressores podem ser identificados na variação de sexo, habilidades
cognitivas, variáveis familiares e idade? Nossos achados requerem validação e
extensão cruzadas. Será importante que tomemos estudos longitudinais de
competência intensivos e de curta duração antes, durante e após a ocorrência de
estressores agudos no sentido de determinar se esses padrões realmente refletem
respostas à exposição ao estresse.
2-
Tais padrões são consistentes através de
diferentes tipos de estressores? Por exemplo, uma literatura diversa sobre
estressores na infância sugere que garotos tendem a serem mais disruptivos como
consequência de experiências estressantes (Emery, 1982; Garmezy & Rutter,
1985). Contudo, a heterogeneidade dos sujeitos é confundida em muitos estudos
com uma heterogeneidade dos estressores, como no Projeto Competência. Até mesmo
em estudos de “estressores únicos” (estudos com crianças de pais divorciados,
crianças com doença ameaçadora, etc), variações inevitáveis ocorrem nos perfis
dos estressores vitais dentro de uma dada amostra que poderiam constituir
modificadores contextuais críticos do estressor primário de interesse. Um
estudo posterior é necessário para determinar se uma dada resposta da criança a
estressores tão diversos como a dissolução da família, dificuldades econômicas
e doenças ameaçadoras são mais semelhantes que diferentes.
.
Que forma os padrões de adaptação vão assumindo com o passar do tempo? Poderia
haver diferentes funções de recuperação
para crianças com diferentes
combinações de recursos e fatores de
risco, bem como para diferentes tipos de
estressores.
.
Presumindo que padrões de adaptação refletem processos de desenvolvimento em
andamento, grandes mudanças podem
ocorrer na forma de respostas ao estresse
durante períodos de transição de
desenvolvimento, como a puberdade?
.
Há uma continuidade nos padrões de adaptação através do desenvolvimento?
.
Como os padrões de resposta ao estresse estão relacionados com sintomas,
referência clínica, categorias de
diagnóstico ou outros sistemas toxonométricos?
Pode-se esperar que uma criança com
baixos recursos com estressores agudos se
torne disruptiva no alto de um desinteresse
já manifesto na escola e com baixo
aproveitamento. Esta combinação é propensa
a um final precipitado.
. Pode-se perguntar também se sintomas
somáticos são mais esperados de ocorrer em
crianças que respondem a alta exposição
ao estresse com desinteresse, mas não
disruptividade, no que parece ser um
padrão de internalização.
Esses
inquéritos, ultimamente, podem ser postos em termos amplos: quais são as
relações entre psicopatologia, competência, risco e fatores de proteção,
padrões de adaptação e diferenças individuais em crianças em qualquer idade?
Respostas para essa questão em todas as suas manifestações – a busca por maior
compreensão do processo de adaptação – podem apenas servir para aumentar nossos
esforços para ajudar crianças em dificuldade.
Compreender
a competência, particularmente competência sob adversidade, podem guiar
esforços para promover adaptação. Por exemplo, investigações diversas nos
últimos vinte anos identificaram muitas das habilidades latentes e
comportamentos correlatos de competência social em crianças. Esses achados tem
sido traduzidos numa variedade de programas de treinos de habilidades sociais
(SST = social skills training) que geraram considerável interesse e entusiasmo
nos últimos anos. Considerando que alguns desses programas SST focam em
componentes comportamentais específicos do comportamento social efetivo (Oden
& Asher, 1977), outros enfatizam o desenvolvimento de habilidades
cognitivas sociais que são presumidas serem mais “genéricas” à adaptação social
(Shure & Spivack, 1979). Avaliações sistemáticas da efetividade da
abordagem dessas duas formas do programa tem sido largamente limitadas para
esforços de prevenção secundária com crianças que apresentam sinais de inadequado
ajustamento social emergente, como comportamento social agressivo e disruptivo,
isolamento social e rejeição dos colegas, com um olhar sobre a origem dessas
dificuldades [por exemplo, o programa Hahneman (Spivack, Platt, & Shure,
1976) e o Programa para o Desenvolvimento de Habilidades Sociais (Cincinnati
Social Skills Development Program) (Kirschenbaum, 1979)]. A viabilidade de STT
para prevenção primária tem ainda que ser demonstrada de forma convincente (Durlak,
1985; Pellegrini & Urbain, 1985).
Não
obstante, programas STT carregam considerável promessa para prevenção de
desenvolvimento do comportamento social mal adaptado que pode surgir como
consequência eventos estressantes inevitáveis. Crianças podem ser identificadas
para inclusão em programas STT baseado na experiência de eventos de vida
direcionados (exemplo, divórcio dos pais), o oposto de serem selecionadas após
comportamentos sociais mal adaptados terem emergido (juntamente com outras
crianças cujo comportamento pode ser mais resistente a mudanças como resultado
de mais distantes, mais complexas e mais profundas origens). O conteúdo de tal
treinamento seria adaptado para aumentar o desenvolvimento de habilidades
sociais pertinentes ao estressor de interesse (exemplo, em crianças de pais
divorciados, como negociar com os pais os horários preferidos de visita, como
resolver os conflitos com os meio-irmãos, etc).
De
forma semelhante, o conceito de “treino de inoculação do estresse” (“stress
inoculation training”) ganhou popularidade. A ideia por trás desse programa é
prover doses graduais e manejáveis de estresse que o indivíduo pode dominar,
ganhando experiência e confiança em lidar com estresse, que facilitarão uma
futura adaptação. Um método desenvolvido por Meichenbaum e colegas
(Meichenbaum, 1977, 1985) inclui educação sobre a natureza do estresse, análise
da resposta do cliente ao estresse, treino de habilidades de enfrentamento
tirados em grande parte do arsenal terapêutico cognitivo-comportamental, da prática
e do treino de “reforço” (“booster”). Ayalon (1983) desenvolveu uma intervenção
similar chamada Comunidade Orientada na Preparação para Emergência (COPE = Community
Oriented Preparation for Emergency), para preparar melhor crianças israelenses
para a possibilidade de terrorismo. Através desse programa, a crianças escolarizadas são ensinadas
habilidades cognitivas gerais de enfrentamento, a aprender a falar das emoções
e são encorajadas a responder ao estresse com ação. Ambos os programas de
inoculação do estresse enfatizam o desenvolvimento de habilidades genéricas de
enfrentamento.
Essas
intervenções presumem que recursos efetivos podem ser melhorados, ou expandindo
o repertório de recursos ou aprendendo a usar mais efetivamente aqueles
recursos que já estão prontamente disponíveis. Como uma espécie que se adapta,
nós desenvolvemos uma miríade de estratégias de enfrentamento (coping). A
adaptação é indubitavelmente o resultado de muitos atributos operando, embora
diferentes áreas do funcionamento possam requerer diferentes combinações de
recursos. Segue-se que intervenções focando em um único recurso, único
atributo, um único estilo cognitivo, uma única habilidade social podem não
mostrar grandes mudanças no funcionamento através das situações.
Em
conexão com conceitos contrastantes como STT e inoculação do estresse, pode ser
importante distinguir entre qualidades pessoais, experiências ou tratamentos
orientados para aperfeiçoar experiências positivas
de bem estar e auto eficácia e aquelas relacionadas para minimizar experiências
negativas de estresse e
desorganização. O manejo de prazer e distresse pode não envolver muitos opostos
extremos de uma única dimensão adaptativa, mas diferentes dimensões, se houver
interação, que requerem seus próprios constructos distintos de temperamento, input
ambiental, desenvolvimento e intervenção (Tellegen, 1985).
Nosso
trabalho também enfatiza que a consideração de diferenças individuais será
importante ao se planejar intervenções. Aqueles programas de prevenção
projetados com vistas a melhorar a capacidade de adaptação aos estressores
devem levar em conta que diferenças de sexo e de recursos pessoais e ambientais
podem muito bem ter um papel nas necessidades de diferentes crianças.
Estudos
de adaptação para estressores específicos tem o potencial de identificar
estratégias particulares mais efetivas para o enfrentamento de um dado
estressor. Aqui novamente, contudo, crianças que enfrentam ostensivamente o
mesmo estressor podem ter diferentes padrões de resposta dependentes de suas
características e recursos individuais. Uma garota brilhante, exitosa, mas
solitária que está se ajustando ao divórcio dos pais não tem as mesmas
necessidades que um garoto rejeitado pelos colegas, agressivo e com problemas
de aprendizagem que está numa situação parecida.
Bons
clínicos indubitavelmente já tem ajustado suas intervenções em casos únicos de
acordo com os recursos pessoais e ambientais da criança, assim como de acordo
com sua compreensão do desenvolvimento normal, má adaptação e estresse. Um
objetivo para nosso estudo e estudos parecidos é conseguir maior conhecimento
para aquele processo em que o tratamento de má adaptação possa ser mais
sistematicamente correspondido à criança e assim avaliado mais efetivamente.
Reciprocamente, o clínico informado, experto em analisar casos únicos, pode
oferecer percepções de pesquisadores sobre o processo de estresse e de
adaptação que podem coloca-los em trilhas negligenciadas de exploração empírica
(Garmezy & Masten, 1986).
Este
estudo começou como uma expedição a um grande e desconhecido território, guiado
por Norman Garmezy. Nossa metodologia evoluiu conforme aprendemos um pouco
sobre competência e suas relações com a exposição ao estresse. Talvez mais
importante, nós aprendemos como elaborar melhores questões nessa área complexa.
Nós continuamos convencidos que o estudo de aspectos positivos da adaptação,
incluindo competência, fatores de proteção e resiliência é uma parte necessária
da base do conhecimento para o qual nós devemos contribuir se quisermos
aumentar a prevenção e o tratamento de transtornos, bem como a educação das
crianças.
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