Definition of resilience

"In the context of exposure to significant adversity, resilience is both the capacity of individuals to navigate their way to the psychological, social, cultural, and physical resources that sustain their well-being, and their capacity individually and collectively to negotiate for these resources to be provided in culturally meaningful ways" (www.resilienceproject.org)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Resiliente

De tudo que sou nada devo ao destino
Participei sempre de um ato pessoal
Formulei fatos, criei crenças
Vivi papeis e fui dublê de mim mesmo
De tudo que poderei ser um dia
Todo ato que um dia poderei encerrar
Nada estará fora de meu controle
A felicidade não me pega na esquina
Os temores do mundo não me atingem mais
Sou o que sou e serei o que puder ser

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Resiliência e religiosidade ou espiritualidade


Vários estudos tem apontado (Dunn, 1994; Masten, 1994; Gordon & Song, 1994) a importância da religiosidade ou espiritualidade para as pessoas se tornarem resilientes e adaptadas positivamente à realidade. Apontam que participar de um grupo religioso, frequentar igreja, ser educado por pais religiosos pode fortalecer nas pessoas o senso de pertencimento, encontrar um sentido e um propósito para a vida e ter um suporte nos momentos difíceis.

Não descarto a possibilidade de que, para muita gente, acreditar em algo sobrenatural é uma forma de buscar conforto contra suas aflições e encontrar forças para seguir em frente. Porém, não podemos deixar de levar em conta que as religiões em si mesmas carregam ranços de preconceito e de violência e procuram adaptar as pessoas a um modo de vida que não aceitam muitos questionamentos, o que pode, ao contrário, tornar sua vida um inferno.

Nesse sentido, a espiritualidade ou religiosidade pode fortalecer as pessoas e torná-las mais resilientes dependendo de como elas se situam nela e como não se deixam alienar em algo sobrenatural sem fazer uma análise e vivência ao mesmo tempo saudável do natural.

Sendo ateu, prefiro trabalhar com a questão da mentalidade. É possível se sentir positivo, encontrar um propósito na vida, ser feliz e ajudar as pessoas sem apelar para algo sobrenatural. Penso que no sentido da natureza podemos admirar esse mundo, encontrar nosso lugar nele e trabalhar para um futuro melhor. Também podemos conquistar nosso sentido de pertencimento e nos sentirmos amados em outros grupos que não sejam os religiosos e encontrar suporte para nossas dificuldades nesses grupos. Creio que não haja muitos estudos com relação a isso, por provavelmente os financiadores de pesquisas não estarem muito interessados em ir contra o mainstream.

Portanto, penso que as pessoas que não são religiosas, e nem mesmo possuem algo chamado espiritualidade, podem ser tornar resilientes fortalecendo outros aspectos de sua vida e estabelecendo outros tipos de laços com as pessoas e com o universo.

Bibliografia citada
DUNN, D. (1994). Resilient reintegration of married women with dependent children: Employed and unemployed. (Doctoral Dissertation, Department of Health Education, University of Utah, Salt Lake City, Utah.)
GORDON, E. W., & SONG, L. D. (1994). In M. C. Wang & E. W. Gorden (Eds.), Educatiorial resilience in inner-city America (pp. 27-43). Hillsdale, NJ: Erlbaum.
MASTEN, A. S. {1994). Resilience in individual development: Successful adaptation despite risk and adversity. In M. C. Wang & E. W. Gorden (Eds.), Educationa/ resilience in inner-city America (pp. 3-25). Hillsdale, NJ: Erlbaum

domingo, 1 de setembro de 2013

A música das almas

Na manhã infinita as nuvens surgiram como a loucura numa 
                                                                                       [alma
E o vento como o instinto desceu os braços das árvores que
                                                         [estrangularam a terra...
Depois veio a claridade, os grandes céus, a paz dos campos...
Mas nos caminhos todos choravam com os rostos levados para
                                                                                           [o alto
Porque a vida tinha misteriosamente passado na tormenta.
                                                                 (Vinícius de Moraes)



sábado, 13 de julho de 2013

Resiliência e catástrofe


“A palavra ‘catástrofe’ vem do grego e significa ‘inverter’, ‘virar de cabeça para baixo’. Era originalmente usada para descrever o desfecho ou clímax final de uma representação dramática, que poderia, naturalmente, ser tanto feliz como triste.

“Numa comédia, o clímax é um desfecho feliz. Após uma torrente de incompreensões, tudo se modifica quando os amantes repentinamente se reconciliam e se reúnem. A catástrofe da comédia é, pois, um abraço ou um casamento. Numa tragédia, o clímax é um desfecho triste. Após intermináveis esforços, tudo se inverte quando o herói descobre que o destino e a situação o venceram. A catástrofe da tragédia é, então, a morte do herói.

“Já que as tragédias costumam impressionar mais profundamente e ser mais celebrizadas que as comédias, a palavra ‘catástrofe’ acabou sendo associada mais aos finais trágicos do que aos felizes. Consequentemente, ela é agora usada para pintar qualquer final de natureza calamitosa” (Isaac Asimov, Escolha a Catástrofe)

Talvez as catástrofes individuais tenham que se associar às catástrofes sociais para falar tanto da resiliência individual quanto da social. Seria preciso mudar o foco sobre a visão que se tem do clímax, valorizando qualquer tipo de final, seja ele positivo ou negativo. Ou seja, se contentar e aproveitar os finais felizes, mas também aprender e se robustecer com os finais trágicos. 


terça-feira, 21 de maio de 2013

O mito de Sísifo e a resiliência


Metáfora da paciência, da constância, Sísifo pode representar a pessoa que investe em seus sonhos, que busca seu futuro. Mesmo percebendo que sofre com a repetição e o distanciar-se de seu objetivo colocados pela punição, sua ação não é alienada e nem inconsequente.
O homem resiliente é aquele que enxerga naquilo que o enverga um trampolim. Longe de se enrijecer ou se curvar totalmente, ele consegue se equilibrar e se adaptar (no sentido de compreender e se ajustar) à situação que o atormenta. Realista, procura ver todos os lados da questão, enxergando e escolhendo as melhores respostas possíveis; sonhador, não se contenta com os dados da realidade e a ultrapassa, indo além do seu próprio potencial. Ser resiliente é aprender com as impossibilidades, é construir degraus para cima a partir dos pedaços que for encontrando na vida. É reconhecer no real do outro e da comunidade o lugar de alívio, de recomeço, de ajuda para o fortalecimento.
Sísifo resiliente? Ser resiliente não quer dizer ser de rocha. Sísifo jamais se confunde com a sua pedra. Ele sabe que sua tarefa é imponderável e praticamente impossível e transforma o percurso na sua própria vitória. Percurso de sofrimento, que ele vai mudando, porém sofrendo ainda. O homem resiliente muda seu objetivo para evitar o sofrimento, mas cada mudança é um degrau acima, é uma aprendizagem, que o suporta e diminui sua dor.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Psicologia Positiva e Resiliência

Positive Psychology and Resilience

(From  https://suifaijohnmak.wordpress.com/2013/03/15/positive-psychology-and-resilience/)


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Comunidades Resilientes



1-      O que é resiliência? É a capacidade para enfrentar, recuperar-se e aprender com situações adversas. Pode ser conceituada para pessoas, famílias, comunidades ou nações. Para sua avaliação devem-se levar em conta aspectos psicológicos, sociais, culturais e econômicos, bem como recursos públicos disponíveis em todos os níveis.
2-      O que é uma comunidade? Éum grupo de pessoas ou famílias unidas por laços ou interesses de diversos tipos em comum, tais como idioma, costumes, local de moradia, trabalho, etc. É um grupo que possui uma identidade em comum, regido por códigos, valores e condutas, rígidas ou não; pode ser um grupo aberto ou fechado culturalmente.
3-      Definição de desastre: é qualquer evento causado pela natureza ou causado pelo homem que sobrepassa a capacidade de enfrentamento da comunidade, levando a perdas humanas e materiais. Exemplo: com a intensificação do fenômeno pluvial em áreas urbanas aumentaram os episódios de inundações que tendem a atingir grande parte da população, mas de forma mais grave a de baixa renda, moradores de áreas vulneráveis, geralmente em margens de córregos e em morros.
4-      Resiliência comunitária: diz da capacidade que a comunidade apresenta para enfrentar e se recuperar de forma efetiva dos desastres e catástrofes que ocorrem em seu interior ou em seu entorno. A resiliência pode ser construída na própria comunidade, por seus moradores organizados. O objetivo é que a comunidade resiliente seja autosuficiente para reconhecer os riscos em seu meio ambiente e possa estabelecer processos de mitigação desses riscos. Comunidades resilientes costumam experienciar menos danos e tendem a absorvê-los se recuperar deles com estratégias eficientes e de forma mais rápida.

O que a comunidade deve saber para o enfrentamento dos desastres e se tornar mais resiliente

1-Reconhecer seus problemas e suas fortalezas: os componentes da comunidade devem reconhecer suas fraquezas e fortalezas, a fim de utilizar essas últimas como ferramentas para mitigar os primeiros. Exemplos de problemas: morar em encosta, com riscos de deslizamento de terra; morar próximo a córregos, com risco de transbordamento e enchentes; morar próximo a represas de água, com risco de rompimento das barreiras. Exemplos de fortalezas: contar com uma política pública séria de prevenção de desastres; contar com sistema de alerta eficiente de ocorrência de desastres; contar com uma equipe local preparada para uma resposta rápida e eficiente caso o desastre ocorra, etc.
2- Ter listado todos os recuros humanos, físicos e sociais da comunidade: a comunidade precisa saber com quem contar para realizar a prevenção, o enfrentamento e a recuperação caso ocorra um desastre. Por exemplo, para a prevenção é preciso conhecer as políticas públicas (defesa civil, saúde, educação, assistência social, habitação), a quem pode recorrer para realizar avaliação de risco e resolver os problemas que o causam (canalizar o córrego, reforçar uma encosta, localizar área mais segura para morar, entre outras ações). Para se preparar para a ocorrência do desastre pode-se contar com simulações realizadas por órgãos públicos, com a criação de um sistema de alerta efetivo e uma rota de fuga adequada. É interessante também listar locais que possam servir como abrigo para aqueles que perderam suas casas, tais como igrejas, templos, escolas, associações comunitárias, etc.
3- Cobrar os recursos governamentais: a comunidade precisa estar ciente dos recursos governamentais (nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal) para prevenção, enfrentamento e recuperação dos desastres, como ter acesso a esses recursos e cobrar das autoridades a sua utilização adequada. Por exemplo: recursos para instalação de hidrômetros, para construção de encostas, bolsa aluguel, etc. Muitas vezes não é possível diminuir os riscos do local e é preciso considerar a remoção da população para outra área mais segura, pois essa ação pode ser até mais barata que o custo das obras de engenharia para manter as pessoas em suas moradias (isso pode ser feito com um planejamento sustentável, de acordo com o meio ambiente e a participação da comunidade).

Como a comunidade pode se organizar para se tornar mais resiliente contra desastres

O conceito de Redução de Risco na Comunidade está se provando ser inestimável em resposta a emergências e desastres. Para uma comunidade se tornar resiliente e conseguir dar conta dos seus riscos é necessário um trabalho integrado envolvendo decisões políticas, gerenciamento de projetos, de profissionais e de comunidades vulneráveis. Algumas premissas para a redução de riscos de desastres são: avaliação séria dos riscos na comunidade para a ocorrrência de desastres, um sistema de comunicação eficiente e o envolvimento da comunidade na prevenção, preparação, enfrentamento e recuperação. 

1-      A comunidade pode se organizar, buscando conhecer os riscos que existem onde está localizada e promovendo soluções para os problemas, com participação ativa de seus membros. Oficializar uma associação de moradores é um passo interessante para uma maior proximidade com todos os moradores e com os órgãos governamentais e as políticas públicas. Exemplo: organizar-se como NUDEC.
2-      Realizar avaliações de risco sistemáticas e com ferramentas adequadas é uma forma de manter a comunidadem alerta e promover atividades de prevenção e de preparação para a possibilidade de ocorrência de desastres. Essas avaliações podem ser realizadas por órgãos públicos ou por empresas privadas, contratadas pelos moradores. É preciso que se elabore uma carta de riscos, traçada pelos órgãos competentes, e manter intensa fiscalização sobre regiões vulneráveis. A Lei 12.608, criada em abril de 2012, que torna obrigatória a cartografia geotécnica no plano diretor e nos novos parcelamentos de terrenos nas cidades é um importante avanço para a prevenção de desastres naturais no Brasil, mas precisa ser efetivamente usada.
3-      A comunidade precisa listar os locais de moradia de populações mais vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiência física ou mental e elaborar um plano mais refinado de prevenção ou enfrentamento de desastres para essas populações.
4-      A comunidade pode propor simulações para seus moradores, coordenadas pela Defesa Civil ou pelo Corpo de Bombeiros. Quando a comunidade conhece seus riscos, a forma como o desastre pode ocorrer e como ela pode realizar seu enfrentamento, ela se torna mais resiliente.
5-      A comunidade pode propor que o tema sobre desastres seja tratado na escola, em aulas como ciências, português, matemática, etc, proporcionando que os alunos conheçam o tema sob diversos aspectos e leve essas informações para seus familiares e para a comunidade. A elas também podem ser fornecidas informações sobre como reagir na hora do desastre e realizar o enfrentamento de seu impacto. A iniciativa na escola pode servir como um estímulo para que toda a comunidade seja envolvida na ação.

Como realizar o enfrentamento e a recuperação frente ao desastre

1-      Sistema de alerta: qual é o sistema de alerta com o qual a comunidade conta? Qual a forma de comunicação mais eficaz? É preciso haver pelo menos um sistema de alerta eficaz caso a possibilidade de desastre exista. Pode ser um hidrômetro, uma sirene. Os moradores (ou um grupo representante) podem também ter o recurso de receber um SMS no seu celular avisando do risco iminente.
2-      Primeiro socorro: quem realmente realiza o primeiro socorro na comunidade são os próprios moradores, nos primeiros minutos antes dos bombeiros e defesa civil chegarem (se estiverem organizados em um NUDEC, terão maior capacidade de ajuda). Para isso, seria interessante que já houvesse uma equipe local treinada para ajudar as pessoas que estão em condições de se locomover, mostrando a elas uma rota de fuga e onde podem se abrigar. Essa equipe pode também indicar aos serviços de resgate onde se encontram as pessoas mais vulneráveis, onde podem ter pessoas soterradas, e outras informações úteis.
3-      Abrigos: os abrigos escolhidos para comportar as pessoas que perderam suas casas devem ter a possilidade de colocar famílias juntas (com as coisas materiais que conseguiram salvar), respeitando as questões de gênero, de orientação sexual, entre outras. É preciso lembrar que o local que servirá como abrigo pode ter que voltar com seu funcionamento normal (escolas, igrejas) mesmo com os moradores ocupando seu espaço.
4-       Outro tipo de ajuda: a comunidade afetada pelo desastre necessita também de ajuda psicossocial, por isso é importante que as políticas públicas possam disponibilizar assistentes sociais, psicólogos, educadores, e outros, para auxiliar com questões como reconhecimentos de cadáveres, realizar velório e sepultamente, trabalhar com crises de ansiedade e depressão, organizar as pessoas nos abrigos, etc. Por exemplo, o psicólogo pode ajudar os afetados pelo desastre por meio da escuta atenta, com entrevistas de apoio, fornecendo informações básicas e precisas que possam ajudar as pessoas no meio da situação estressante; pode também colaborar na gestão dos abrigos, reconhecendo as dificuldades e propondo soluções junto com as pessoas que estão abrigadas. Por fim, é preciso ainda organizar os voluntários de diversas áreas de fora da comunidade que se prontificam a ajudar no enfrentamento e na recuperação da comunidade.

O que são os NUPDEC

Os NUPDEC (Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil) são formados na comunidade, reunidos em um grupo de moradores, em uma igreja, em uma escola, associação comunitária, etc, com a finalidade de desenvolver um processo de orientação permanente junto à população, objetivando a prevenção e minimização dos riscos e desastres nas áreas de maior vulnerabilidade. Ele pode promover a interação entre a Defesa Civil e a comunidade, possibilitando um planejamento participativo, estimulando a participação da população na construção de uma cultura voltada à prevenção de riscos e permitindo a socialização de experiências desenvolvidas pela Defesa Civil. 

A forma como a comunidade pode se constituir em NUPDEC é através dos COMPDEC, que são responsáveis pelas ações de Defesa Civil nos municípios. Nesse sentido, é preciso procurar a Defesa Civil da cidade onde o NUPDEC será formado para se obter informações sobre funcionamento e aspectos burocráticos de sua formação. Vale lembrar que o trabalho nos NUPDEC é voluntário e o núcleo não recebe qualquer espécie de investimento em dinheiro.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

ABRAPEDE

A Associação Brasileira de Psicologia nas Emergências e Desastres foi fundada em 21 de setembro de 2012 e tenho a honra de fazer parte de sua primeira diretoria.

Para saber mais, acesse o site: www.abrapede.org.br


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Permissão para ser INfeliz

 O filme Residência Permanente (Honk Kong, 2009), que fala sobre a morte, prevê quem em 2032 as anfetaminas não precisarão de prescrição, sendo vendidas livremente em toda a Europa, provavelmente podendo ser compradas em supermercados.

O texto abaixo talvez indique que isso possa acontecer bem antes disso. Como a resiliência poderia dar conta de fazer com que as pessoas valorizem todas as suas experiências, positivas ou negativas, sem precisar se dopar para evitar o sofrimento necessário?

Permissão para ser INfeliz

A psicóloga Rita de Cássia de Araújo Almeida conta como a demanda por felicidade vem crescendo nos serviços de saúde mental da rede pública

ELIANE BRUM
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)
Há alguns anos me pergunto se o “direito à felicidade”, que se tornou uma crença partilhada tanto por religiosos quanto por ateus na nossa época, tem sido causa de considerável sofrimento. Se você acredita que tem direito à felicidade, de preferência todo o tempo, ao sentir frustração, tristeza, angústia, decepção, medo e ansiedade, só pode olhar para esses sentimentos como se fossem uma anomalia. Ou seja: eles não lhe pertencem, estão onde não deveriam estar, precisam ser combatidos e eliminados. O que sempre pertenceu à condição humana passa a ser uma doença – e como doença deve ser tratado, em geral com medicamentos. Deixamos de interrogar os porquês e passamos a calar algo que, ao ser visto como patologia, deve ser “curado”, porque não faz parte de nós. É um tanto fascinante os caminhos pelos quais a felicidade vai deixando o plano das aspirações abstratas, da letra dos poetas, para ser tratada em consultório médico. E, ainda mais recentemente, como objeto do Direito e da Lei, inclusive com proposta de emenda constitucional.  

Quem acompanha esta coluna sabe que a felicidade tem sido um tema assíduo. Acredito que poucos fenômenos são tão reveladores sobre a forma como olhamos para a condição humana em nosso tempo como o “direito à felicidade”. Sem esquecer que este tema está relacionado a outros dois fenômenos atuais: a medicalização da vida e a judicialização dos sentimentos. Ou, dito de outro modo: tratar o que é do humano como patologia e dar aos juízes a arbitragem dos afetos.
É importante – sempre é – ressaltar que obviamente existem doenças mentais e situações nas quais o uso de medicamentos é necessário e benéfico, desde que com acompanhamento rigoroso. O que se questiona aqui são os casos – infelizmente frequentes – de leviandade nos diagnósticos psiquiátricos e o consequente abuso no uso de medicamentos, que tem criado uma multidão de dependentes de drogas legais, cujas consequências só serão conhecidas nas próximas décadas. É íntima a relação deste fenômeno com a crença da felicidade que assinala nosso tempo.
Desta vez, convidei a psicóloga e psicanalista Rita de Cássia de Araújo Almeida para falar sobre um recorte muito significativo: a crescente demanda por felicidade no SUS. No texto de final de ano em seu blog, ela abordava a “ditadura da felicidade” do ponto de vista de sua experiência como trabalhadora da rede pública de saúde mental. Rita, 43 anos, é formada em psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com mestrado em educação. Há 10 anos ela atua como psicóloga em CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), serviços estratégicos na área da saúde mental. Atualmente, Rita trabalha no CAPS Leste, de Juiz de Fora, e coordena o CAPS Casa Aberta, no município de Lima Duarte, ambos no interior de Minas Gerais.
Nesta entrevista, ela toca em pontos importantes: o aumento do sofrimento causado pelo imperativo da felicidade; a crescente demanda por um diagnóstico de transtorno mental, com a consequente receita de medicamentos; a transformação de momentos como luto, desilusão amorosa e rebeldia juvenil em doença; a dificuldade cada vez maior de compreender que sentimentos como tristeza, angústia, frustração, ansiedade e medo dizem algo importante sobre a vida, que deve ser escutado e não calado. Assim como a insônia e a falta de apetite nem sempre significam doença, mas um aviso de que é preciso reformular algo no cotidiano.

Nos últimos anos, Rita e seus colegas perceberam que tinham uma nova função ao acolher as pessoas que os procuravam na rede pública: autorizá-las a serem infelizes. Isso deve dizer algo sobre todos nós – e sobre nosso mundo.

Você atua na rede pública de saúde, escutando pessoas que relatam dores psíquicas. Em seu texto de despedida de 2012, no seu blog, você escreveu sobre a “ditadura da felicidade”, apontando a diferença de queixa das pessoas nos serviços de saúde mental nesta última década. Afirmou que hoje o pedido é por “felicidade” – ou, dito de outro modo, teria se tornado impossível para as pessoas sentirem-se “infelizes” ou conviver com alguém “infeliz”. Como é isso?
Rita de Cássia de Araújo Almeida –
Atuo na saúde pública, em serviços do tipo CAPS (saúde mental) há 15 anos, sendo 10 deles como psicóloga. E, sim, tenho percebido uma mudança na maneira como as pessoas entendem a felicidade. Num passado não muito distante a felicidade era um bem a ser conquistado, quase uma utopia. Hoje, as pessoas se sentem na obrigação de serem felizes. A psicanálise entende a nossa época como a “era do direito ao gozo”. Ou seja: hoje, todos têm o direito de gozar plenamente, sem restrições. Nesse caso, a felicidade deixou de ser uma contingência, um evento, e passou a ser um direito que supostamente deveria ser garantido. Vivemos sob a ditadura da felicidade, e, por isso, grande parte das pessoas tem dificuldade de passar por momentos de infelicidade, de frustração e de perdas com naturalidade, entendendo isso como parte da existência.
O que você está dizendo é que o imperativo da felicidade, a obrigação de ser feliz, está provocando sofrimento?
Rita –
Percebo que as pessoas, além de sofrer pelo motivo que as levou a procurar ajuda, sofrem ainda mais pela angústia de ter que se livrar daquele sofrimento rapidamente, a qualquer custo. Não compreendem que aquilo que sentem pode ter um significado e um motivo que precisam ser escutados, pela própria pessoa. Também sentem muita necessidade de dar um nome para o que sentem. Querem logo receber um diagnóstico.
Tenho alguns exemplos que, imagino, não fogem muito à realidade de outros colegas trabalhadores da área. Um deles é quando alguém perde um ente querido e a própria pessoa – ou alguém da família, ou até mesmo outro profissional de saúde – solicita atendimento especializado pelo fato de ele ou ela estar sofrendo ou chorando muito. Enterram o pai num dia e querem estar prontos para ir ao cinema no fim de semana seguinte. Temos também adolescentes encaminhadas à psiquiatria por estarem em conflito com o namorado, assim como crianças indicadas por apresentarem problemas de comportamento e dificuldades de aprendizagem.
Para os que não estão familiarizados com o fluxo de funcionamento da atenção à saúde do SUS, precisamos abrir um parêntese para que entendam o exemplo que vou dar a seguir. O sistema funciona, ou pelo menos deveria funcionar, em rede. A atenção primária – o posto de saúde, unidade de saúde ou estratégia de saúde da família – é a extremidade da rede mais próxima do usuário. Portanto, é a primeira que ele procura quando apresenta qualquer problema. O desafio da atenção primária é não trabalhar em cima das especialidades médicas, mas intervir na pessoa como um todo, tendo como diretriz a promoção e a prevenção da saúde. Entretanto, a atenção primária pode, em casos mais específicos, nos quais a intervenção do chamado especialista seja imprescindível, acionar outros parceiros da rede que possam oferecer suporte. Os CAPS, modalidade de serviço que trabalho, oferecem uma escuta especializada no campo da saúde mental.

Certa vez, recebemos em acolhimento uma mulher, encaminhada por um profissional da atenção primária do nosso território de atuação. Segundo ele, esta mulher apresentava um quadro de insônia e delírio persecutório. Numa escuta mais cuidadosa, soubemos que ela, na verdade, estava insone por medo do marido, que ameaçava jogar água fervente em seu ouvido enquanto ela dormia. Portanto, uma ameaça real – e não um delírio de perseguição. Quando ela me disse que precisava de uma consulta com um psiquiatra para que ele lhe desse um remédio pra dormir, tive de perguntar a ela: “Um remédio? Para quê? Para a senhora acordar com o ouvido queimado?”. Parece óbvio, mas ela não se dava conta de que não dormir, no seu caso, era um sinal de saúde, era uma forma de se proteger (do marido violento) – e não uma doença. Tivemos de autorizá-la a estar com insônia e, obviamente, auxiliá-la a tomar outras providências mais adequadas à situação.
“Estamos nos tornando uma geração de humanos que teme sua própria humanidade” 
O que essa queixa de “infelicidade” diz da nossa época? O que ela oculta? O que revela?
Rita –
Na verdade, o que causa infelicidade às pessoas não mudou muito. Sofremos, em geral, pelo mesmo motivo apontado por Freud há quase 100 anos. Sofremos, na imensa maioria das vezes, do mal-estar resultante das nossas relações com os outros. Entretanto, percebo que mudou muito a forma como as pessoas lidam com esse mal-estar, com sua infelicidade cotidiana. Num passado não muito distante o profissional da saúde mental era, em geral, procurado para ajudar a pessoa a compreender seus mal-estares, decifrá-los. Hoje, um número cada vez mais crescente de pessoas nos procura com um único objetivo: se livrar dos mal-estares. Não querem saber nada sobre seus sofrimentos ou sobre sua infelicidade, não desejam decifrá-los ou interrogá-los. Querem apenas que o sofrimento e a infelicidade silenciem, e ainda demandam de nós uma resposta rápida, eficaz e, especialmente, que não lhe exija muito esforço. Estamos nos tornando uma geração de humanos que temem sua própria humanidade. Vivemos numa sociedade que pretende negar e rejeitar toda espécie de tragicidade que a condição humana carrega consigo.

O que perdemos quando paramos de nos interrogar sobre nosso mal-estar com o mundo? Ou sobre nossos conflitos, nossas angústias e ansiedades?
Rita –
Para a psicanálise, nossos mal-estares são oportunidades que temos para reconduzir e aperfeiçoar nosso processo de subjetivação, de construção de nós mesmos, processo este que nunca cessa. São esses mal-estares que nos fazem repensar nossos valores, objetivos, nosso modo de ser e nossas relações. As lagartas, para se transformarem em borboletas, precisam antes passar pela fase do casulo. Se quisermos aproveitar esta metáfora para entender o processo de subjetivação humano, diríamos que somos capazes de viver esse processo de transformação um sem número de vezes. De lagarta para borboleta, de borboleta para lagarta, e assim sucessivamente. Estas transformações, por sua vez, só acontecem quando questionamos nosso modo de ser e de estar no mundo. Quando paramos de nos interrogar, perdemos a oportunidade de passar por essas transformações, ficando paralisados, fixados em uma só condição: ou lagarta, ou borboleta. E é muito melhor quando podemos aproveitar todas as possibilidades de estar nesse mundo. 

Por que você acredita que paramos de nos interrogar? O que aconteceu? O que mudou?
Rita –
A pressa talvez seja o sintoma mais evidente da nossa sociedade atual. Zygmunt Bauman (sociólogo polonês, autor de Modernidade Líquida, O Mal-Estar da Pós-Modernidade e Vida para Consumo, entre outros) descreve muito bem nosso tempo. Ele diz que vivemos sob a pressão de constantes mudanças, o que favorece uma cultura do esquecimento, em vez de uma cultura do aprendizado e da lembrança.
Como eu disse, as queixas são as mesmas de 10 anos atrás, mas hoje é cada vez mais comum que as pessoas procurem soluções fáceis e rápidas. As pessoas não têm paciência e disposição para passar por tratamentos longos, que exijam esforço e tempo. Outro dia, eu ouvi algo mais ou menos assim, num atendimento: “Olha aqui, minha filha, eu não vim aqui pra ficar de conversinha com você. Eu tenho depressão e preciso de um remédio, porque esse que eu estou tomando não está valendo nada”.

O que você diz para uma pessoa que acabou de perder alguém que amava, mas não quer viver esse luto? Ou acredita que não deveria estar sentindo essa dor, ou até que é injusto sentir essa dor?
Rita –
Percebo mais como se as pessoas não se sentissem no direito de sofrer, não se sentissem autorizadas a serem infelizes, sabe? Então, é interessante que muitas vezes tenhamos de intervir de modo a autorizá-las a sofrer. Precisamos dizer a elas: “Olha, você acaba de perder sua mãe, e, se você a amava, é normal que você sofra, que não durma bem, que não queira se alimentar. Estranho seria se você quisesse ir ao cinema logo depois do enterro. Então, vá para casa, chore, sofra, viva seu luto, compartilhe-o com as pessoas que você ama e volte aqui na semana que vem para conversarmos mais”. Alguns voltarão algumas vezes e agradecerão depois por você não ter se aproveitado de sua fragilidade momentânea para rotulá-lo com um diagnóstico psiquiátrico. Alguns não voltarão porque buscarão outras soluções e modos de lidar com a perda. Uma minoria voltará muitas vezes, porque aquela perda foi realmente insuportável e quebrou a pessoa de tal maneira que a ajuda profissional será fundamental para que ela consiga seguir caminhando. E alguns outros não voltarão, porque irão procurar outro profissional que atenda o seu pedido, que lhe dê uma anestesia, uma droga qualquer que faça calar seu mal-estar. É claro que, lamentavelmente, encontrarão quem faça isso.

O tratamento, no caso, seria “autorizar” a pessoa a ser “infeliz”? Ou a sentir frustração, tristeza, desânimo, ansiedade, saudade, medo etc... ?
Rita –
Sim. Para trabalharmos de forma ética, não temos de dizer apenas o que a pessoa quer ouvir, mas, sobretudo, o que ela precisa ouvir. Sendo assim, temos que, muitas vezes, desconstruir sua demanda inicial, autorizando-a a sofrer, a ficar infeliz, a perder o sono e o apetite, quando isso faz parte de um contexto normal de perda, luto, fracasso, desentendimento familiar. Até para que a pessoa possa, a partir daí, fazer perguntas sobre sua vida, suas escolhas, seu modo de ser... No caso daquela mulher que não dormia por causa do marido que a ameaçava, por exemplo, não medicá-la, não acabar com sua insônia, foi fundamental para que ela pudesse questionar seu casamento, a posição dela naquela relação, e possibilitar que ela pudesse fazer novas escolhas e buscar outros caminhos.

Você poderia dar outros exemplos concretos da experiência no consultório?
Rita –
Dias atrás recebemos em acolhimento um homem de meia idade queixando-se de dificuldade para dormir e nervosismo. Ele queria a receita de um remédio que já tinha usado uma vez e que, segundo ele, foi muito bom. Ou seja, ele apresentou uma queixa e, em seguida, a solução, tudo em poucos minutos. Tentando desacelerar sua pressa, como deve ser a nossa conduta nesses casos, tratei de fazer as perguntas que ele mesmo deveria estar se fazendo naquele momento. Como estava a sua vida, a sua relação com o trabalho, com o lazer, com a família, o que o deixava nervoso, o que pensava nas noites insones... Respondendo a estas perguntas, ele confessou que, depois da morte da esposa, há alguns anos, decidiu mergulhar intensivamente no trabalho, “para não pensar”. Ele trabalha no trânsito, um local por si só muito estressante, cerca de 14 horas por dia, incluindo feriados e finais de semana, sem horário certo para comer ou dormir. Não tem lazer, mora sozinho e não conseguiu, desde a morte da esposa, se relacionar afetivamente. No decorrer da nossa conversa, ele conseguiu perceber que, com a vida que estava vivendo, era impossível que não estivesse insone e estressado. No final da consulta, estava decidido a reduzir seu tempo de trabalho, a definir horários regulares para comer e dormir, a voltar a fazer uma atividade física e a programar seu lazer. Pedi que ele nos telefonasse em um mês para dar notícias sobre as mudanças, se elas tinham produzido o efeito esperado. Minha experiência me diz que, neste caso, conseguimos produzir o efeito desejado: auxiliar a pessoa a sair de uma posição de paralisia e impotência diante de seus sintomas.

Como é o método de trabalho nos CAPS? Há uma preocupação de que as pessoas não sejam medicadas sem necessidade, quando, em muitos casos, como você conta, a demanda é por um diagnóstico de transtorno mental, com a consequente receita de pílulas? Ou, dito de outra forma, como evitar que os CAPS virem fábricas de doentes mentais e dependentes de drogas legais?
Rita –
Como eu disse, o sistema público de saúde funciona em rede. Os CAPS compõem o trançado da rede que oferece uma escuta especializada no campo da saúde mental. Sendo assim, apesar de, em alguns casos, recebermos demanda espontânea, o mais comum é recebermos encaminhamentos dos demais parceiros da rede, em especial da atenção primária. Ao chegar ao CAPS, a pessoa passará por um dispositivo chamado “acolhimento”. Este é um dispositivo que deve ser utilizado por todos os CAPS, uma diretriz para o que chamamos de “porta de entrada” do serviço. Regular esta porta de entrada é fundamental para que os CAPS, como você disse, não se transformem em fábricas de doentes mentais. O acolhimento, como o próprio nome diz, é o momento em que a pessoa será acolhida em sua demanda, será escutada com cuidado, sem pressa, em uma ou mais entrevistas, por um ou mais profissionais do serviço, para que se possa construir uma estratégia de intervenção. E a intervenção pode ser, inclusive, desconstruir a demanda inicial pelo diagnóstico e pela medicação, para incluir outras demandas, nas quais a pessoa pode atuar como protagonista de sua própria história – e não como um mero usuário de drogas legais, para usar suas palavras.

O “direito à felicidade” tem sobrecarregado o sistema público de saúde? Qual é a sua experiência? É a maioria dos casos na área de saúde mental?
Rita –
O Ministério da Saúde, através da Coordenação de Saúde Mental, tem passado orientações no sentido de evitar a psiquiatrização e medicalização das situações cotidianas, obviamente por entender que esse tipo de conduta é, na atualidade, uma realidade na saúde pública brasileira. A Linha Guia de Atenção em Saúde Mental de Minas Gerais – uma publicação da Secretaria Estadual de Saúde que define as diretrizes da política de saúde do estado – alerta para o problema do uso inadequado dos chamados benzodiazepínicos, comumente indicados como se fossem uma fórmula mágica para solucionar problemas pessoais e sociofamiliares. Os benzodiazepínicos – classe de medicamentos com propriedades ansiolíticas, hipnóticas, anticonvulsivantes e miorrelaxantes – estão entre os medicamentos mais prescritos no mundo e inúmeras vezes de maneira inadequada. Geralmente, segundo essa Linha Guia, são prescritos quando o médico se sente impotente diante das queixas de seus pacientes. Hoje, o uso abusivo de benzodiazepínicos pela população tornou-se um grave problema de saúde pública.
No nosso cotidiano de trabalho nos CAPS, especialmente no trabalho em parceria com a atenção primária, onde podemos fazer um diagnóstico do que leva as pessoas a procurarem tratamento em saúde mental, temos percebido um aumento na demanda por psiquiatrização e medicalização dos problemas cotidianos. O bom é que, na saúde pública, temos mais liberdade de desconstruir esse tipo de demanda: com a pessoa que nos procura, com a sua família e até com o colega profissional de saúde.
“Usamos o medicamento de forma correta e ética quando ele serve para a pessoa falar – e não para fazê-la calar” 
O “direito à felicidade”, na sua opinião, tem levado então a uma maior medicação das pessoas?
Rita –
Sim, sem dúvida. A maioria das pessoas que nos procura quer ser medicada – diagnosticada e medicada. Querem um nome para a sua doença e uma pílula milagrosa que resolva seu mal-estar. E, quando dizemos a elas que o remédio não vai resolver seus conflitos familiares, não vai solucionar seus problemas financeiros, não vai dissolver uma culpa ou uma perda, assustam-se e ficam pensativas. Acho que as pessoas realmente acreditam que há um remédio que solucionará isso para elas. E, na verdade, elas não acreditam nisso por acaso. Elas acreditam porque há um discurso, extremamente forte e presente em nossa sociedade, alimentado principalmente pela indústria farmacêutica, que sustenta a ideia de que é possível encontrar na prateleira da farmácia um remédio para qualquer mal-estar que nos incomode. Este é um excelente exemplo, na saúde, de quando a oferta gera a demanda. Existe demanda por felicidade em pílula porque o multimilionário mercado farmacêutico oferta esse tipo de solução.
Isso não quer dizer que os medicamentos psiquiátricos nunca devam ser usados, que são um mal em si. A crítica que se faz é à medicação excessiva e sem norteamento ético. O medicamento precisa servir para que a pessoa fale, para que ela compareça – e não para que ela se cale, se transforme numa morta-viva, num zumbi. Às vezes, a doença psíquica chega ao ponto de impedir a pessoa de ir e vir, de se comunicar, paralisando-a completamente, impedindo-a de fazer laços ou apagando a sua subjetividade. Nestes casos, o medicamento pode e deve ser usado, mas somente com o intuito de fazer com que a pessoa se movimente, fale, compareça. Resumindo: no campo da saúde mental sabemos que estamos usando o medicamento de forma correta e ética quando ele está servindo para fazer a pessoa falar – e não para fazê-la calar.

Você acredita que existe diferença na demanda nos serviços de saúde mental da rede pública e na demanda nos consultórios privados, com respeito à felicidade e à forma como as pessoas se relacionam com dores como frustração, angústia, tristeza, medo etc?
Rita –
Eu sou uma entusiasta defensora do nosso sistema público de saúde – o SUS. Na minha opinião, deveríamos ir às ruas levantando bandeiras para exigir financiamento adequado e melhores condições para os seus trabalhadores. E, dentre os inúmeros motivos que me fazem defender esta proposta, vou dizer apenas um que considero fundamental. O melhor sistema de saúde privado que poderíamos conceber não é capaz de fazer uma coisa que só o SUS pode fazer: intervir sem estar submetido à lei de mercado ou à lógica do consumo. Não podemos negar que a medicalização dos nossos problemas cotidianos faz muito bem ao desenvolvimento da indústria farmacêutica – e só o SUS é capaz de manter uma distância segura dessa influência.
Além disso, no SUS, podemos com mais tranquilidade desconstruir a demanda por uma especialidade ou por uma intervenção específica, pelo próprio sistema de rede. Na rede privada ou conveniada, qualquer um de nós pode, a qualquer momento, marcar uma consulta com qualquer especialista, mesmo que não haja nenhuma indicação para tal. Só isso já aumenta muito a probabilidade de uma pessoa ser diagnosticada e medicada sem o cuidado necessário – algumas vezes por uma falta de cuidado ético do profissional, em outras vezes pela própria pressão do usuário em ser atendido no seu pedido. Especialmente porque, no setor privado, o usuário é, na verdade, um cliente. E sabemos que, na sociedade de consumo, o cliente sempre tem razão.

De certo modo, você percebe na sua prática clínica cotidiana que tudo o que é do humano virou patologia. De novo, o que isso revela? E o que isso causa?
Rita -
Sim, hoje, tudo o que nos torna humanos é passível de ser diagnosticado e medicado. Acho que isso revela que nós nos tornamos uma sociedade extremante “careta”. Careta no sentido de ser capaz de interpretar todo o tipo de transgressão ou de atitude fora do padrão como um provável transtorno mental a ser diagnosticado e tratado. Ou seja: normatizado. Tenho 43 anos e três filhos, dois deles adolescentes de 17 e 15 anos. Quando eu tinha a idade deles, uma atitude qualquer que eu cometesse, fora das normas e das regras, era tratada como uma transgressão, apenas. E tínhamos certo orgulho da punição que recebíamos, já que ela era como um troféu e também uma espécie de acerto de contas, que nos autorizava a transgredir novamente. Já meus filhos não têm a mesma sorte que eu tive. Precisarão de muito cuidado para escolher seu modo de transgredir, pois, ao invés de ser entendido como um ato de rebeldia ou travessura adolescentes, pode ser interpretado através de um diagnóstico psiquiátrico, condenando-os assim a um tratamento psicológico ou medicamentoso. Acho isso uma grande caretice.
Vivi recentemente uma situação no mínimo inusitada, que retrata bem o que estou dizendo. Uma mãe nos procurou no CAPS com seu filho adolescente de 15 anos. Demandava uma avaliação psiquiátrica para ele. Nos CAPS em que trabalho, temos como protocolo que o acolhimento seja feito por outro profissional, que não o médico, exatamente para esvaziar essa demanda imediata pelo medicamento. Eu, então, fui fazer o atendimento com mãe e filho. Segundo o relato da mãe na consulta, o rapaz estava repetidamente se envolvendo em atos delinquentes. No último deles foi punido pela Justiça e condenado a uma pena alternativa, pelo fato de ser menor de idade. A mãe queria que descobríssemos qual transtorno mental seu filho tinha. Transtorno este que, supostamente, estaria fazendo com que ele tivesse aquelas atitudes. Em seguida, assisti a um bate-boca inusitado entre mãe e filho. Ela tentando me provar que ele tinha uma doença mental ou que estava sob o efeito de alguma droga, enquanto ele afirmava que seu comportamento nada tinha de patológico, já que ele tinha plena consciência de seus atos, estava no seu juízo perfeito e não cometeu os delitos sob o efeito de drogas. Enquanto a mãe queria que eu rotulasse o filho com algum diagnóstico, o filho tentava dizer a ela que infringiu a lei conscientemente e pretendia pagar pelo seu ato ilícito. Naquele momento, fiquei com muita pena daquela mãe tentando desesperadamente transformar o filho num doente mental, mas, ao mesmo tempo, também fiquei com pena daquele menino que queria apenas ser tratado como um rebelde, um fora da lei – e não como um doente. Vivemos tempos estranhos...

E por que vivemos tempos estranhos?
Rita –
O estranhamento é exatamente a sensação que temos quando percebemos uma mudança que ainda não compreendemos totalmente. Acho muito estranho que alguém prefira ter um filho portador de transtorno mental a ter um filho que transgrediu a lei. Acho estranho que todas as nuances do comportamento humano sejam passíveis de serem nomeadas e medicalizadas. Ou seja: passíveis de normatização.
“Estamos produzindo uma geração de jovens que se quebram ao menor arranhão” 
Como a questão do “direito à felicidade” se manifesta na relação entre pais e filhos? E qual é o papel do consumo nessa relação?
Rita –
Você já trouxe alguns textos com esse tema aqui na sua coluna. Hoje, toda criança já nasce gozando do direito pleno e irrestrito à felicidade. E assim sendo, as crianças não precisam mais lutar por ela ou desejá-la. Se a felicidade é um direito, cabe a elas tão somente se queixarem ou cobrarem quando esse direito não está sendo atendido. E os pais têm sido os mais cobrados para fazer valer esse direito. Os filhos dessa geração exigem que seus pais os façam felizes, que não os frustrem e, o que é pior, vemos muitos pais completamente perdidos, acreditando que serão mesmo capazes de ofertar felicidade plena aos filhos, ou que poderão atender ao imperativo de nunca os frustrarem. Por isso os pais de hoje têm tanta dificuldade em dizer “não”.
Vou dar um exemplo extremo desse medo dos pais. Há cerca de quatro anos, fui procurada por uma mãe em meu consultório particular, que queria atendimento para o filho. Sua queixa era a de que este filho, de 9 anos, voltara a fazer “cocô na calça”. Fiz algumas entrevistas iniciais com a mãe, para avaliar melhor a demanda, antes de pedir que ela trouxesse o menino. A mãe me explicou que o filho sujava a calça com frequência, especialmente em momentos nos quais a família estava fora de casa, em alguma atividade social – um aniversário, um passeio, um jantar. Ela contou que já estavam evitando sair de casa por causa do comportamento do filho. Perguntei, então, se ela já tinha questionado o filho sobre o motivo que o levava àquele comportamento. Essa mãe me respondeu: “Claro que não!”. Confessou-me que ela e o marido jamais falavam do assunto na presença do menino. Segundo ela, para não traumatizá-lo. Explicou que ela e o marido, nesses eventos sociais, ficavam sempre atentos e, diante de qualquer “cheiro estranho”, pegavam o filho e saíam imediatamente do local. Sem falar nada com ele sobre o episódio, levavam o menino para casa, lhe davam banho e trocavam sua roupa. Em seguida, continuavam agindo como se nada tivesse acontecido. Este é um caso extremo, mas vemos muitas outras atitudes, não tão incomuns como esta, sendo repetidas pelos pais de hoje, tudo para poupar o filho de uma possível frustração.
Temos tratado nossos filhos como se fossem peças de louça muito delicadas. Ao condená-los à felicidade ampla, geral e irrestrita, estamos produzindo uma geração de jovens extremamente frágeis e imaturos, que se quebram ao menor arranhão.
Obviamente a sociedade de consumo se aproveita muito disso. Temos filhos querelantes, que sabem como ninguém exigir seu “lugar ao sol”. Ou, adaptando o termo ao discurso capitalista, temos filhos que sabem como ninguém exigir a mercadoria que lhes convêm na prateleira. E temos pais que temem dizer “não”, pois não querem frustrar ou traumatizar seus filhos. Junta-se a isso uma sociedade que mede o grau de felicidade das pessoas pelo tanto de coisas, bens ou serviços que elas são capazes de consumir e chegamos a uma combinação perfeita. Que mais a sociedade de consumo pode querer?

O “direito à felicidade” tem permeado as relações na sociedade brasileira – assim como no Ocidente, em geral. No Brasil, inclusive, tem sido tema tanto do judiciário quanto do legislativo, até com proposta de emenda constitucional. Por mais que as intenções sejam boas e aparentemente são, a felicidade como direito fundamental é no mínimo questionável. Que tipo de consequências da suposta garantia do “direito à felicidade” já testemunhamos e quais ainda podemos esperar?
Rita –
Penso que a felicidade deveria ser um tema tratado apenas pelos poetas, músicos, escritores. Trazer o tema da felicidade para o campo da razão, para o campo jurídico ou científico, é um equívoco. A felicidade é um tema subjetivo. Sempre que tentamos circunscrevê-la com algum discurso burocrático, tendemos a formatá-la num padrão ideal, num modelo que sirva para todos. E não existe um ideal de felicidade, cada um de nós irá percebê-la ao seu modo.
Além das consequências que já citamos aqui, existe uma outra, tão empobrecedora para a nossa subjetividade quanto a medicalização do sofrimento cotidiano, que é a judicialização da vida. O que também já está acontecendo com frequência.
Nossos pais não nos amaram o suficiente? Fim de um relacionamento amoroso? Traição de um amigo? Dificuldades com o chefe? Diante de alguns destes problemas, mesmo os mais corriqueiros, bastará que entremos na Justiça para cobrar uma reparação, nem que seja financeira. Ou seja, quando a felicidade for uma espécie de direito constitucional, poderemos também resolver nossas infelicidades nos tribunais. E assim seremos finalmente considerados incapazes de resolver por nós mesmos nossas frustrações e dificuldades de relacionamento.

O que você entende por felicidade?
Rita –
Como disse, prefiro deixar este tema para o campo das artes. Não há como entender a felicidade com a razão, não é possível mensurá-la ou pensá-la como um modelo que valha para todos, todo o tempo. Se estamos numa relação atribulada, felicidade pode ser um momento de solidão. Se estamos solitários, felicidade pode ser receber um telefonema. Guimarães Rosa, na pele de Riobaldo, diria assim: “No sertão, até enterro simples é festa”.
A sensação de felicidade é uma experiência singular, única para cada pessoa. Acredito que o desafio atual seja pensar um projeto coletivo capaz de trazer esse tema para a pauta, mas não para o campo da lei, da burocracia, da simples garantia de direitos, ou da ciência – mas, quem sabe, para o campo da ética. No campo da ética, as pessoas podem entender que elas também têm o direito de ficarem infelizes, que infelicidade não é doença, mas parte da condição humana – e que, sem ela, perdemos metade da nossa humanidade.

Qual é a importância da infelicidade?
Rita –
Acredito que, em tempos de ditadura da felicidade, respeitar e autorizar essa infelicidade nossa de cada dia é uma forma de resistência, uma espécie de libertação.