O conceito de
adolescência é bastante recente na história da humanidade, tendo obtido seu
real valor no século 19. A partir desse século a criança começa a ser
identificada como pessoa e a receber mais investimento da família, sendo
reconhecida como herdeira do amor e do dinheiro familiar.
Antes do século 18/19
não existia a consciência da particularidade infantil e a criança tinha um
ingresso direto na sociedade dos adultos assim que ela superava a fase de alto risco de
mortalidade (conforme Ariès, 1981, apesar das críticas que as análises desse historiador
vem sofrendo nos últimos anos: Flandrin, 1988).
Isso se refletia nos hábitos das crianças, como nas vestimentas, por
exemplo, conforme vemos no texto e na figura abaixo.
“Finalmente há o
menino (10 anos), vestido como os homens adultos, com calções, camisa de linho
e jaqueta, e usando também um chapéu sobre os longos cabelos lisos” (Kunze,
1989).
No século 19 a
adolescência começa a ter períodos mais ou menos definidos: no menino, entre a
primeira comunhão e o bacharelado; na menina, da primeira comunhão ao casamento
(Grossman, 1998).
O conceito de
adolescência e o reconhecimento desse período específico na vida humana pode
ter surgido relacionado a fatores como aumento do tempo de vida, expansão do
período escolar, cultura individualista e nova categoria de consumo do
capitalismo
Para um grande
número de culturas a adolescência é situada como um ritual de passagem da
infância para a fase adulta, do mundo lúdico para o mundo das
responsabilidades. A cultura ocidental, de modo geral, não apresenta um marco
definido para o início (puberdade?) ou fim (independência financeira?) da
adolescência. No caso do Brasil esse período geralmente é situado dos 12 aos 18
anos por um marco legal que é o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. No
geral, parece haver concordância em a adolescência ser uma fase com muitas
transformações físicas e psicossociais, marcando de forma característica essa
fase da vida.
Esse momento de
transição marcado pela adolescência difere de um grupo de eventos, pois a
transição requer reorganização funcional (dinâmica) e estrutural. Esse período tem o potencial de alterar
o comportamento, o afeto, o cognitivo ou o contexto social, causando mudanças
que podem ter efeito durante a vida toda (ex.: mudança corporal, divórcio dos
pais, morte de pessoas queridas, etc)
Na análise dessa transição é preciso avaliar o
desenvolvimento anterior (infância), timing individual, como o adolescente
entende essa transição e o contexto onde ela ocorre (Stuart & Allen, s/d,
p. 573).
O objetivo final
dessa transição é a construção da identidade do adolescente, ou seja, fortalecer
e aplicar a autonomia, garantindo a ele a capacidade de gerenciar seus próprios
projetos de vida de modo responsável e diligente.
Nessa
transição, muitos adolescentes enfrentam dificuldades que desafiam sua
habilidade para crescer e se desenvolver de uma maneira que promova bem-estar
emocional e cognitivo, sendo sobrecarregados na sua capacidade de lidar com a
situação, por mais que tenham apoio em casa ou na escola. Essas condições
indicam situações de risco (elas podem afetar o adolescente de forma
irreversível) e resiliência (quando ele consegue lidar bem com a adversidade e
sair dela sem marcas permanentes). Baixa autoestima, isolamento social, ideação
suicida, transtornos alimentares, bullying podem ser algumas dessas situações
de grande peso na vivência do adolescente.
Para o adolescente poder adquirir resiliência a
partir da situação ele precisa ter acesso a pessoas de sua confiança e criar
laços afetivos com alguns adultos (os jovens mais resilientes sentem
tranqüilidade e sentimento de alívio com o apoio recebido dessas pessoas).
O primeiro laço é com pessoas de sua família (seja a nuclear e/ou a estendida). A família na infância é promotora de leis e normas que dão segurança e proteção à criança (obs: é preciso pensar em como as famílias vão mudando sua constituição com o passar do tempo...); na adolescência ela reforça essas regras e limites, ao mesmo tempo em que é contraponto para o adolescente se situar com relação aos novos laços que vai criando, principalmente com os laços grupais.
O que é resiliência? Uma de muitas definições:
"A capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade" (Grotberg, 2005, p. 15).
A resiliência tenta entender como crianças, adolescentes e adultos são capazes de superar adversidades e se sair bem, apesar de viverem em condições de pobreza, falta de recursos sociais, violência intrafamiliar e na comunidade, doença mental dos pais, etc. (Infante, 2005). No entanto, desenvolver resiliência não é evitar a adversidade, mas lidar com suas consequências negativas de uma forma saudável. A resiliência não é um atributo pessoal, mas um processo dinâmico entre múltiplos fatores de risco e fatores de proteção, sendo uma tarefa não somente da criança, mas também da família, da comunidade e das políticas públicas.
O primeiro laço é com pessoas de sua família (seja a nuclear e/ou a estendida). A família na infância é promotora de leis e normas que dão segurança e proteção à criança (obs: é preciso pensar em como as famílias vão mudando sua constituição com o passar do tempo...); na adolescência ela reforça essas regras e limites, ao mesmo tempo em que é contraponto para o adolescente se situar com relação aos novos laços que vai criando, principalmente com os laços grupais.
O que é resiliência? Uma de muitas definições:
"A capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade" (Grotberg, 2005, p. 15).
A resiliência tenta entender como crianças, adolescentes e adultos são capazes de superar adversidades e se sair bem, apesar de viverem em condições de pobreza, falta de recursos sociais, violência intrafamiliar e na comunidade, doença mental dos pais, etc. (Infante, 2005). No entanto, desenvolver resiliência não é evitar a adversidade, mas lidar com suas consequências negativas de uma forma saudável. A resiliência não é um atributo pessoal, mas um processo dinâmico entre múltiplos fatores de risco e fatores de proteção, sendo uma tarefa não somente da criança, mas também da família, da comunidade e das políticas públicas.
A novidade da resiliência é o abandono de um modelo de risco, baseado nas
necessidades e na doença, focando-se em um modelo de prevenção e promoção,
baseado nas potencialidades e nos recursos que o ser humano tem em si mesmo e
ao seu redor. Ela questiona as formas em que os problemas e a população são
pensados pelas instituições, geralmente enfatizando as carências e não as potencialidades,
e considera o sujeito como agente de sua própria ecologia e adaptação - não um
sujeito que apenas "carece" e "adoece" (Lindström, s/d).
Edith Grotberg " (Grotberg, 2005, p. 17) aponta
em seu trabalho algumas perguntas que se pode fazer ao sujeito (criança,
adolescente) para avaliar como ela entende seu risco e percebe os fatores de
proteção ao seu redor, levando em conta que a forma como o adolescente será
atingido pelas variáveis externas depende de suas características internas
(elaboração e percepção de risco):
EU TENHO
- Pessoas ao meu lado em quem eu confio e que me
amam, não importa o que aconteça;
- Pessoas que me colocam limites, assim eu sei quando parar antes do perigo ou do problema;
- Pessoas que me mostram como fazer as coisas direito pela maneira como elas fazem as coisas;
- Pessoas que me colocam limites, assim eu sei quando parar antes do perigo ou do problema;
- Pessoas que me mostram como fazer as coisas direito pela maneira como elas fazem as coisas;
- Pessoas que me auxiliam quando estou doente ou em
perigo;
- Pessoas
que querem me ensinar como fazer as coisas do meu jeito.
EU SOU / EU ESTOU
- Uma pessoa querida e amada pelos outros;
- Satisfeito por fazer coisas boas para os outros e mostrar minha preocupação;
- Respeitoso comigo mesmo e com os outros;
- Determinado por ser responsável por aquilo que faço;
- Tenho certeza de que as coisas vão dar certo.
- Uma pessoa querida e amada pelos outros;
- Satisfeito por fazer coisas boas para os outros e mostrar minha preocupação;
- Respeitoso comigo mesmo e com os outros;
- Determinado por ser responsável por aquilo que faço;
- Tenho certeza de que as coisas vão dar certo.
EU POSSO
- Conversar com as pessoas sobre coisas que me amedrontam e me incomodam;
- Encontrar formas de resolver os problemas que me aparecem;
- Controlar-me quando eu me sinto fazendo coisas que não acho certas ou considero perigosas;
- Reconhecer quando é uma boa hora para falar com alguém ou agir;
- Encontrar alguém que me auxilie quando eu preciso.
O foco nas fortalezas (nos recursos internos
combinados com os externos para superar a adversidade) pode promover que o
adolescente reconheça suas potencialidades e se torne cada vez mais consciente
de suas habilidades e recursos para aumentar sua autoconfiança e autoestima. E
se o ambiente, a família e a comunidade seguem apoiando o adolescente na
superação da adversidade existe uma grande probabilidade de que ele continue se
adaptando positivamente através do tempo (resiliência como uma capacidade
estável durante a vida), na adolescência, adultícia e velhice (Infante, 2005).
É preciso encontrar nesses ambientes (família, escola,
comunidade) tutores de resiliência disponíveis; tutores que tem a função e
responsabilidade de dispor de fatores de proteção para os adolescentes
enfrentarem as adversidades e saírem fortalecidos delas. Nas palavras de Boris
Cyrulnik: “Nas teorias da resiliência, o sujeito está submetido à influência de
uma constelação de determinantes entre os quais se debate e onde vai buscar
intencionalmente os tutores ao lado dos quais poderá retomar o seu
desenvolvimento” (Cyrulnik, 2006, p. 174). Esses mecanismos de proteção são
compostos por recursos familiares e sociais disponíveis às crianças e aos
adolescentes, bem como por suas próprias forças e características internas para
lidar com a inevitável adversidade na vida.
Esses tutores podem dispor ao adolescente o
estabelecimento de vínculos saudáveis para diminuir a repetição de
comportamentos mortificantes; gerar possibilidades de empoderamento, cidadania
e saúde; redução dos fatores de risco com promoção dos fatores de proteção; promoção
de relações familiares não agressivas; desenvolvimento da sensibilidade para as
necessidades da comunidade, dando a ele a oportunidade para o ativismo social (trabalhar
pela mudança na sociedade como um todo através do envolvimento social e promoção
de cidadania).
Os tutores tem ainda a responsabilidade política e
social na construção do processo de resiliência na família e na comunidade e na
criação de estratégias mais eficazes para a promoção de resiliência individual,
familiar, comunitária, institucional e política. Lembrando que a comunidade que
protege é aquela que dispõe fatores de proteção como inclusão econômica, social
e cultural, valorização de atitudes e comportamentos não violentos e não
discriminatórios, grupos e redes de supervisão para adolescentes e jovens e
limitação e controle de acesso a drogas, álcool e armas de fogo. Isso favorece a prevenção,
quando envolve todos
os fatores sociais e ambientais que influenciam
as escolhas que os
jovens fazem.
O extraordinário poder social da ideia de
resiliência não deriva apenas do seu potencial imaginado para mudar trajetórias
de vida individuais, mas da possibilidade que ela tem de transformar o futuro
das gerações subsequentes e das famílias e comunidades inteiras.
Por fim, é preciso fazer um
alerta sobre os componentes ideológicos no estudo e na aplicaçao do conceito de
resiliência. O primeiro alerta é que quando uma pessoa é chamada de resiliente,
seja em uma conversa informal ou numa investigação sistemática, querendo ou não
um diagnóstico é realizado, envolvendo critérios explícitos ou implícitos. Tecnicamente,
chamar uma pessoa de resiliente é um tanto impróprio em uma terminologia
diagnóstica porque a resiliência é uma descrição de um padrão geral, enquanto
que o diagnóstico ocorre quando o indivíduo é comparado com o padrão. Talvez fosse mais apropriado dizer que "essa pessoa tem um padrão flexível "ou" essa pessoa mostra as características de resiliência
(Masten, 2007, p. 4).
Segundo, é preciso pensar que
quando dizemos que uma pessoa com características resilientes é aquela adaptada
à sociedade, corremos risco de não enxergar resiliência em pessoas com padrões
adaptativos diferenciados. Por exemplo, um adolescente visto como rebelde (não
conformado aos padrões de determinado contexto) não teria sua resiliência reconhecida (a
questão a ser feita seria: adolescente integrado para qual comunidade, em que
tempo, em qual cultura, e qual área do desenvolvimento {cognitivo, emocional,
social}?)
Terceiro.
É preciso apontar que boa parte dos estudos sobre resiliência tendem a utilizar
mais população branca, da maioria religiosa, escolarizada e com médio poder
aquisitivo em suas coortes. Seriam necessários então estudos mais aprofundados
com populações que não estão coladas ao padrão WASP (White,
Anglo-Saxon and Protestant) e dentro do mainstream de
determinada sociedade.
Por fim, atentar à questão
de que uma maior limitação da resiliência é que ela está ligada a julgamentos normativos
relacionados a resultados particulares. Se esses resultados não são desejáveis
em certo contexto, então a habilidade para alcançar resultados num contexto de supostos
fatores de risco não seria considerada resiliência, pois os modelos de sucesso
estabelecidos por um grupo podem não coincidir com o referencial de resiliência
de outro. Diferenças culturais são muito relevantes quanto a essa questão.
BIBLIOGRAFIA
ARIÈS, P.
História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Ed. LTC. Rio de Janeiro, 1981;
Cyrulnik, B. O
murmúrio dos fantasmas. São Paulo: Martins Fontes, 2005;
FLANDRIN, J.-L. O sexo e o ocidente. Ed
Brasiliense, SP, 1988;
GROSSMAN, E. Adolescência
através dos tempos. Adolescencia Latinoamericana, 1414-7130/98/1-68-74;
GROTBERG, E. H. Novas
Tendências em resiliência. In
MELILLO, A., OJEDA, E., Resiliência, descobrindo as próprias fortalezas,
Artmed, Porto Alegre, 2005;
HAUSER, S., ALLEN, J. Overcoming
Adversity in Adolescence: narratives of resilience. Disponível em http://assets.cambridge.org/97805218/07012/sample/9780521807012ws.pdf e acessado em
15 de maio de 2012;
INFANTE, F. A
resiliência como processo: uma revisão da literatura recente. In MELILLO, A., OJEDA, E., Resiliência,
descobrindo as próprias fortalezas, Artmed, Porto Alegre, 2005;
KUNZE, M. A Caminho
da Fogueira. Editora Campus, 1989;
LINDSTRÖM, M. O
significado de resiliência. Adolescencia
Latinoamericana, 1414-7130/2-133-137;
MASTEN, A, POWELL, J. A resilience framework for
research, policy and practice. In
LUTHAR, S (Ed). Resilience and vulnerability – adaptation in the context of
childhood adversities, Cambridge University Press, NY, 2007.